Nos últimos anos, o Brasil consolidou-se como o maior exportador mundial de jogadores de futebol. Segundo o Fifa Global Transfer Report 2024, registramos 1.113 transferências internacionais, movimentando uma receita estimada em US$ 591,5 milhões. Embora esses números representem a força do nosso mercado, eles também revelam uma oportunidade concreta de amadurecimento estratégico.
Ao compararmos o Brasil com potências europeias a partir de dados oficiais da Fifa e do Football Observatory (WeeklyPost503), observamos uma correlação direta entre a utilização de jogadores de até 21 anos nas equipes principais e a valorização financeira dos atletas no mercado internacional. Em outras palavras: clubes que garantem o desenvolvimento de atletas com foco em qualificá-los para oportunidades ainda enquanto jovens, colhem melhores resultados financeiros (além dos resultados esportivos, claro).
Na França, por exemplo, jovens jogadores de até 21 anos representam cerca de 20% dos minutos em campo. Em contraste, o Brasil apresenta uma taxa mais baixa, com média de pouco mais de 11%. O reflexo disso se vê nas cifras: a França arrecada US$ 1,28 milhão, em média, por atleta transferido, mais que o dobro da média brasileira, que foi de cerca de US$ 530 mil em 2024, apesar de liderarmos o ranking em número absoluto de transferências internacionais.
Esse contraste reforça a importância de não apenas formar, mas também dar oportunidade real aos jovens jogadores nos times principais. Trata-se de um passo fundamental para elevar o valor do futebol brasileiro no mercado global.
Um exemplo emblemático vem do Ajax, clube tradicional da Holanda, que, segundo o Football Observatory (WeeklyPost503), utiliza 32,4% de jogadores com até 21 anos em sua equipe principal, uma das taxas mais altas da Europa. Essa política de valorização da base está diretamente ligada a outro dado relevante: como apresentei na coluna do mês passado, o Ajax foi apontado, em um relatório do CIES, como o clube com maior número de atletas formados atuando nas principais ligas do mundo. Isso reforça a evidência sobre como o investimento na formação e na utilização de jovens jogadores impacta diretamente na geração de valor esportivo e econômico.
Essas correlações entre dados que não podem ser questionados, pois são fatos, estimula a reflexão sobre uma lição estratégica para o futebol brasileiro: investir na utilização e no desenvolvimento efetivo dos jovens talentos pode ser um caminho para aumentar a valorização dos atletas no mercado global. Não se trata apenas de formar muitos jogadores, algo que o Brasil já faz há muitos anos. Trata-se de integrar esses atletas de forma competitiva e consistente às equipes principais, ampliando sua exposição, desenvolvendo sua maturidade técnica, tática, emocional, comportamental, em habilidades e competências complementares para o esporte, e, consequentemente, preparando-os para desafios de alto nível.
Falo com propriedade, como mãe e gestora de um atleta profissional, Lucas Rosa, e como alguém que acompanha de perto o processo de formação e transição de jovens no futebol internacional. Acredito que a formação integral do atleta, que inclua, além do campo, aspectos emocionais, educacionais e culturais, é um dos pilares que precisam ser fortalecidos no Brasil. Muitos dos jovens que saem precocemente do país não estão preparados para lidar com a pressão, a distância, o idioma, a cultura e a exigência tática do futebol europeu. A preparação precisa ser mais completa, mais humana e mais conectada às realidades dos mercados que os aguardam.
Também defendo, com convicção, que o jovem precisa ser incluído nos jogos das equipes principais desde cedo. Não apenas para “ganhar minutagem”, mas para ser parte real do elenco, com responsabilidade, sequência e desafios que estimulem sua evolução. Isso traz inúmeros ganhos: acelera o amadurecimento, aumenta a visibilidade internacional, fortalece a cultura do clube em torno da base e, claro, valoriza financeiramente o ativo que esse jogador representa.
O desafio do Brasil, portanto, não é apenas manter o volume elevado de exportações, mas, sim, qualificar esse processo, inspirando-se em modelos europeus que valorizam o talento jovem e o colocam em evidência desde cedo. Tal prática não apenas gera melhores resultados financeiros para os atletas, clubes e agentes, mas também eleva o nível técnico do futebol nacional, fomenta carreiras mais sólidas e fortalece a imagem do país como referência mundial em formação.
Em resumo, os dados do Fifa Global Transfer Report 2024 e do Football Observatory convergem para uma mensagem clara: a juventude deve ser considerada um ativo estratégico para a indústria do futebol brasileiro. Devemos, a cada dia, colocar mais esforços e recursos para viabilizar processos, metodologias e estratégias de desenvolvimento de atletas que contemplem o desenvolvimento integral, com o intuito de qualificar o esportista e o ser humano, dentro e fora de campo.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva