O Rei, o repórter e a última fronteira

Pelos meus cálculos, devo ter vivido o privilégio de estar na presença de Pelé umas cinco ou seis vezes. Eu, um dos milhares de repórteres que apontaram o microfone para o sorriso inconfundível do Rei do Futebol. Ele, um ser de talento raro, um dos humanos mais reconhecidos no mundo todo.

Na redação da Rádio Bandeirantes, em São Paulo, onde comecei minha carreira, havia uma brincadeira para falar sobre a importância de um assunto: só interrompa se estiver ao vivo com o Pelé. Outra era dita pelos mais velhos explicando que os repórteres jovens teriam mais espaço no ar quando conseguissem uma exclusiva com o Pelé.

A primeira vez que vi o Rei foi no lançamento de uma exposição na capital paulista. O aperto na hora da entrevista foi quase insuportável.

A mais marcante foi na Vila Belmiro, provavelmente em 2000. Eu acompanhava um treino do Santos, e Pelé dava entrevista para um documentário francês nas arquibancadas. Quando os repórteres pediram que ele viesse ao campo, o Rei logo nos atendeu.

Em meio aos braços esticados e chamados empolgados, tentei algumas vezes fazer uma pergunta e fui solenemente interrompido pelos meus colegas. Pelé foi chamado pela produção do documentário e se desculpou comigo.

Alguns minutos depois, ainda no gramado, fui surpreendido com um toque no meu ombro esquerdo. Era Pelé dizendo que poderia finalmente ouvir e responder minha pergunta. A gentileza de Pelé me marcou muito. Tenho para sempre uma história só minha com o maior nome do futebol no século XX.

Vi o Rei pela última vez em Nova York, onde eu vivia e trabalhava como correspondente. A mesma cidade para onde Pelé havia se mudado aproximadamente 40 anos antes para explorar a última fronteira do futebol.

À ocasião, em 2015, ele participava de um evento de relançamento da marca do New York Cosmos, time americano onde encerrou a carreira. Naquele dia, o Empire State Building seria iluminado de verde para homenagear a equipe. Naquele dia, havia um senhor ao lado de Pelé que quase passou sem ser notado. Era Franz Beckenbauer, gênio do futebol alemão. Esse era o tamanho do brasileiro mais famoso de todos os tempos.

Nesses encontros ao longo de quase 20 anos, Pelé mostrou mais do que o carisma, que, aliado ao talento extraordinário, já seria suficiente para fazer dele um fenômeno do marketing esportivo. Ele mostrou uma capacidade genuína de entender o lado de quem se aproximava dele e se interessava por ele. E, por isso, foi o astro ideal para entender o que faltava nos Estados Unidos para abrir definitivamente as portas do país para o futebol.

Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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