Imagine a cena: você está vendo um jogo na TV. Seu filho, ao lado, joga o mesmo jogo no videogame. De repente, uma notícia aparece: a lesão do atacante, o rumor de uma transferência, o bastidor do vestiário. Você ouve na transmissão. Ele lê dentro do game. E, curiosamente, ambos reagem, um na arquibancada digital, outro na sala de casa. Mas o jogo dele vai lembrar disso.
Esse é o modelo que está se desenhando. O modelo em que o esporte não é apenas transmitido, mas aprende com quem o vive.
A recente parceria entre a EA Sports e o The Athletic é talvez o exemplo mais nítido desse novo tempo. A empresa de games integrará reportagens, análises e vídeos diretamente dentro de seus títulos esportivos, começando pelo EA Sports FC 26, mas com planos de expansão para outros jogos. O jogador, ao acessar o modo carreira ou o hub social, verá conteúdos jornalísticos moldados ao seu perfil de interesse, recompensas vinculadas à interação e até atualizações dinâmicas que refletem o mundo real.
Não é só uma colaboração entre mídia e entretenimento. É um movimento de reconhecimento. O sistema observa, aprende e responde.
Cada gesto do jogador — o time que escolhe, o modo que mais joga, os atletas que valoriza — passa a alimentar uma narrativa personalizada. O esporte deixa de ser espetáculo coletivo e passa a ser espelho individual.
Essa mudança traduz o comportamento das novas gerações, especialmente os fãs fluidos, que não se definem por fidelidade a um escudo, mas por momentos de identificação. Eles transitam entre clubes, plataformas e causas, buscando mais do que pertencimento; eles buscam serem vistos.
Querem que o ambiente digital os compreenda, que o conteúdo se ajuste ao seu humor, que o jogo reaja às suas escolhas. E é exatamente isso que está acontecendo.
O que antes era um canal de comunicação linear agora se transforma em um ecossistema de feedback constante. O game reconhece a emoção, ajusta o tom, devolve uma nova experiência. A notícia aparece no momento certo, o desafio surge com a dose exata de provocação, a recompensa chega quando o engajamento ameaça cair.
Tudo mediado por um sistema que entende, em tempo real, o ritmo e a sensibilidade de cada fã.
O esporte sempre foi sobre pertencer, mas agora pertencer significa ser decifrado. Não basta estar junto; é preciso ser interpretado, traduzido, lembrado. As plataformas esportivas caminham para se tornarem intérpretes emocionais, e não apenas distribuidoras de conteúdo. Por isso, a integração entre EA Sports e The Athletic não é uma curiosidade de mercado; é um prenúncio. Um sinal de que o futuro do ato de torcer não será medido por audiência, mas por sintonia.
Enquanto clubes e marcas ainda tentam aumentar o alcance, o novo jogo está sendo disputado em outro campo: o da relevância personalizada. O desafio não é falar com milhões, é fazer cada um sentir que o jogo foi feito para ele. E quando isso acontece, quando o sistema devolve exatamente aquilo que o fã nem sabia que queria, o vínculo deixa de ser racional e vira emocional.
É aqui que o esporte se reconfigura:
- de espetáculo para espelho;
- de massa para pessoa;
- de mensagem para relação.
A EA Sports e o The Athletic entenderam isso antes. O resto do mercado ainda está aprendendo.
Mas o caminho é inevitável: o torcedor do futuro não irá apenas assistir; ele será reconhecido.
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Fernando Fleury é CEO da Armatore Market+Science, PhD em Comportamento do Consumo e trabalha com inovação e tecnologia para criar novos modelos de negócios para a indústria com a construção de soluções avançadas e modelos preditivos usando inteligência artificial, aprendizado de máquina e ciência de dados para entender o ciclo de vida dos produtos, criar novos produtos e identificar e rastrear clusters a fim de aumentar a receita, o público e o envolvimento dos fãs
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