Onde fica Wrexham?

Estamos vivendo uma década de ouro na produção de conteúdo esportivo. Graças ao crescimento das empresas de streaming e à explosão do custo de direitos do esporte ao vivo, empresas como Amazon, Netflix, Disney, ESPN, Fifa+, Paramount, e HBO passaram a investir pesado nos documentários com temática esportiva.

As duas produções que mais marcaram essa revolução foram “The Last Dance”, a história de Michael Jordan e seus companheiros de equipe no icônico e multicampeão Chicago Bulls dos anos 1990, produzida pela ESPN (exibida pela Disney+ no Brasil), e “Drive to Survive”, que descreve os bastidores das temporadas da Fórmula 1, produzida pela Netflix.

Além disso, ainda há muitas outras que valem uma menção honrosa. Uma das minhas favoritas é a “All or Nothing”, do Amazon Prime Video, que relata o dia a dia de clubes de futebol (Arsenal, Tottenham, Manchester City e Juventus), da vitoriosa campanha da seleção brasileira na Copa América e de outros times e seleções em vários esportes.

Vale a pena também assistir aos especiais sobre o Barcelona de Pep Guardiola (“Take the ball, Pass the ball”, da Netflix), Diego Maradona (Maradona – Sueño Bendito, do Amazon Prime Video) e a história de Ronaldinho Gaúcho (“The Happiest Man in the World”, do Fifa+).

O “The Shop” (HBO Max) é um outro formato interessante. Produzido e apresentado por LeBron James e seu sócio Maverick Carter, é um programa de entrevistas onde o astro da NBA recebe convidados do esporte e entretenimento em sua barbearia cenográfica para conversas francas e muitas histórias inéditas, enquanto alguns fazem a barba, o cabelo e o bigode.

Mas uma das iniciativas mais interessantes dos últimos tempos veio da FX (canal americano de TV e streaming): “Welcome to Wrexham”.

Para quem ainda não conhece, a série conta a história real da compra e revitalização de um time de futebol da quinta divisão do futebol do Reino Unido (a última ainda profissional) pelos atores Ryan Reynolds e Rob McElhenney.

À primeira vista, a história não poderia ser mais bizarra. Dois atores de Hollywood que não se conhecem e nada entendem de futebol, decidem se tornar sócios na compra de um clube europeu. Como as conversas começaram durante os meses da pandemia, Reynolds e McElhenney se encontraram, encomendaram uma pesquisa para escolher o clube, negociaram sua compra, aprovaram a transação com as autoridades e torcedores, e fecharam a transação por meio de videoconferências sem nunca ter ido ao País de Gales, onde fica a cidade de Wrexham.

Assim como todos os outros exemplos anteriores, o seriado é ótimo. Mas o modelo de negócio é o que realmente chama a atenção.

A aquisição do clube foi pensada com o propósito de desenvolver o conteúdo e posteriormente vendê-lo para uma das empresas de streaming. Ao invés de pagar pelos direitos de produção, preferiram ser os donos e produtores.

Ambos os donos do Wrexham FC promovem o clube e o seriado intensamente para seus milhões de seguidores nas suas redes sociais. A visibilidade criada pelo seriado atraiu patrocinadores que jamais investiriam neste tipo de clube. Expedia, TikTok, 1Password e Aviation Gin (outra empresa de Ryan Reynolds), marcas que jamais investiriam em clubes como o Wrexham, assinaram contratos de patrocínio de olho nos milhões de pessoas que assistirão ao seriado, e não nas transmissões dos jogos pela TV (que até poucas semanas nem existiam).

A venda de produtos licenciados também explodiu com a popularidade do seriado. Camisas que eram vendidas somente para os poucos e fiéis torcedores gauleses podem ser vistas pelas ruas de Nova York ou Paris como algo “cool” para os entendidos de futebol (algo parecido com o que acontece com os uniformes do fictício AFC Richmond, time treinado pelo famoso personagem Ted Lasso).

Aparentemente, os atores realmente se importam com o clube, sua torcida, seu estádio e suas tradições, mas o sucesso nos campos é uma parte pequena desse projeto. Mesmo que o Wrexham FC não consiga ser promovido para a quarta divisão (algo que pode acontecer este ano), o projeto já é um sucesso.

Estima-se que o clube foi comprado por US$ 2 milhões. Entre patrocínios e vendas dos direitos da série e produtos licenciados, é bem provável que os famosos proprietários já tenham recuperado seus investimentos algumas vezes.

Este modelo de investimento e conteúdo tem tudo para ser copiado nos próximos tempos. Vale a pena ficar atento para as movimentações desse mercado.

Ricardo Fort é CEO da consultoria SportByFort e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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