Opinião: Do pecado ao esporte

Nos minutos finais do ótimo filme Casino, de 1995, Ace Rothstein resume a indignação de um veterano com a transformação da cidade de Las Vegas. “As grandes corporações tomaram conta. Isso parece a Disney. Mas eu ainda sabia escolher os vencedores e fazer muito dinheiro para os clientes em casa”. O personagem era de uma época em que a cidade ficou conhecida como Sin City, a cidade do pecado.

Mas a Las Vegas de que Ace reclamava já estava sendo transformada pela indústria do entretenimento. O dinheiro das máquinas caça-níquel e das mesas de pôquer já não era a única fonte de receita dos hotéis de letreiros luminosos. Grandes auditórios passaram a abrigar espetáculos dos mais diversos, desde Siegfried & Roy e seus magníficos tigres albinos até os principais shows do Cirque du Soleil e longas temporadas de músicos consagrados. 

Mesmo com o processo de transformação da cidade, o ótimo filme de Martin Scorsese mostra o protagonista, interpretado de forma magistral por Robert De Niro, trabalhando numa sala cheia de monitores de televisão para acompanhar eventos esportivos e administrar uma central de apostas. E, durante muitos anos, Las Vegas só via o esporte pelas telas de TV dos cassinos. 

O lugar que concentrava operações de apostas que envolviam resultados de disputas esportivas não podia ter os eventos realizados por lá. Havia uma percepção de que as apostas e aqueles que influenciam diretamente os resultados não poderiam se misturar ou conviver com tanta proximidade. Apenas o boxe e o MMA chamavam Vegas de casa.

No dia a dia de quem cresceu por lá, como o jornalista brasileiro Bira Brasil, a lembrança de eventos esportivos se resume a jogos de times de ligas menores de beisebol e hóquei. O maior momento do esporte na cidade por décadas foi o título universitário de basquete da UNLV (University of Nevada, Las Vegas) em 1990, time comandado por Larry Johnson, que depois fez carreira profissional em Charlotte e Nova York.

Como há poucas coisas que a internet não mudou no mundo nas últimas décadas, a migração das apostas para os ambientes on-line fez com que a preocupação de separar apostadores, bancas e eventos esportivos fizesse cada vez menos sentido. Ninguém precisa estar em Las Vegas para apostar. Basta um computador conectado à internet ou um telefone celular.

Assim que percebeu a resistência caindo, Las Vegas foi rápida no processo para acrescentar eventos esportivos ao vivo à lista de experiências que podem ser vividas por lá. Primeiro foi o Vegas Golden Knights, da National Hockey League (NHL), em 2017, sucesso logo de cara. Depois, o Las Vegas Aces, da Women’s National Basketball Association (WNBA), em 2018. E, em 2020, a mudança dos Raiders de Oakland, levando o futebol americano para a cidade. Com o Las Vegas Raiders, chegaram também o incrível Allegiant Stadium, que receberá o Super Bowl em 2024, e o Draft da National Football League (NFL), realizado há alguns dias.

Além do Super Bowl, outro grande evento esportivo já confirmado para Las Vegas para um futuro próximo é a Fórmula 1. A categoria terá provas na cidade a partir do ano que vem com um circuito que passará pela famosa Strip, a Las Vegas Boulevard, que serve de endereço para os principais hotéis e cassinos.

Se estivesse vendo tudo isso, é possível que alguém apegado ao passado como Ace Rothstein fosse reclamar da invasão do esporte. E é bem provável que, logo em seguida, passasse a pensar na melhor maneira de ganhar dinheiro com tudo isso. O que acontece em Vegas já não fica em Vegas, como dizia o velho ditado. Agora, o que acontece em Vegas, o mundo todo vê.

Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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