Opinião: Nem todo investimento vale a pena

O acelerado crescimento de alguns países emergentes nas últimas duas décadas expandiu o interesse por patrocínios e direitos em sediar eventos globais para novas geografias até então ignoradas pelo Comitê Olímpico Internacional e pela FIFA.

O que vimos nos últimos anos foi uma migração de eventos para novos mercados como China (Jogos Olímpicos de Verão em 2008 e de Inverno em 2022, ambos em Pequim), África do Sul (Copa do Mundo da FIFA em 2010), Rússia (Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi em 2014 e Copa do Mundo da FIFA em 2018), Brasil (Jogos Olímpicos de Verão do Rio de Janeiro em 2016) e Catar (Copa do Mundo da FIFA em 2022).

Outros importantes eventos internacionais também passaram a se beneficiar desse interesse repentino. A Fórmula 1 tem etapas no Barein, Azerbaijão, Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. A Fórmula E tem duas de suas corridas na Arábia Saudita. O MME tem quatro eventos nos Emirados Árabes Unidos. O Rali Paris-Dacar não sai mais de Paris, nem chega à Dacar; ele acontece na Arábia Saudita.

Esse “novo dinheiro” que inundou a indústria do esporte veio também na forma de aquisições de propriedades. O Manchester City é de um fundo de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. O Paris Saint-Germain é de um fundo de investimentos do Catar. O Newcastle United é de um fundo da Arábia Saudita. A Inter de Milão é da empresa chinesa Suning. Estes são apenas alguns exemplos da voracidade dos investimentos destes novos países. A lista é muito longa.

Mas esse afluxo de capital também gerou problemas de reputação que o esporte não estava preparado para lidar.

Na Rússia, não há leis que protejam a comunidade LGBTQA+ de quaisquer ataques. Na África do Sul, estima-se que 40% das mulheres serão estupradas em algum momento de sua vida. Nos países do Oriente Médio, as condições trabalho para os operários da indústria de construção – chamado “sistema kafala” – preocupam o mundo. Na China os problemas vão de campos de concentração onde os chineses muçulmanos uigures são “reeducados” até disputas violentas com o Tibete. A Arábia Saudita, liderada pelo príncipe Mohammad Bin Salman, ordena a morte de dissidentes e trata as mulheres como cidadãs de segunda categoria.

Atenta à visibilidade proporcionada por estes eventos globais, as organizações não-governamentais (ONGs) dedicadas aos direitos humanos passaram a adotar (muito bem, diga-se de passagem) a estratégia de pressionar patrocinadores para boicotar eventos em países de reputação questionável. Apesar de isso não fazer sentido algum – afinal, patrocinadores não escolhem onde eventos serão realizados – a tática de humilhá-los publicamente parece funcionar, pelo menos para atrair a atenção do público.

A cada novo evento aumenta a pressão da imprensa e das ONGs para que patrocinadores se manifestem publicamente contra países, governos e eventos. Para estas empresas, este é um debate em que elas só têm a perder. Se atenderem os pedidos, podem arrumar um problema de alguns bilhões de dólares com um grande mercado consumidor de seus produtos. Se não fizerem nada, podem sofrer boicotes dos seus consumidores em outros países. Em geral, elas tentam escapar das perguntas delegando-as para o organizador do evento.

Os organizadores dos eventos como o COI e a FIFA estão preocupados que esta exposição negativa afugente seus parceiros comerciais. Eles perceberam que algumas parcerias não justificam o risco. Afinal, qual empresa quer pagar centenas de milhões de dólares para ser escorraçada na imprensa global por patrocinar um evento? Para evitar uma debandada geral, elas mudaram as suas prioridades e passaram a alocar seus eventos a mercados mais tradicionais.

O resultado está sendo uma mudança radical das cidades e países sede. Na próxima década, os Jogos Olímpicos irão para a França (Paris 2024), Itália (Milano-Cortina 2026), Estados Unidos (Los Angeles 2028), e Austrália (Brisbane 2032). Em 2030, os Jogos devem acabar no Canadá, Estados Unidos ou Japão. A Copa do Mundo da FIFA segue o mesmo caminho. Em 2026, o evento será sediado na América do Norte com partidas no México, Estados Unidos e Canadá.

Por enquanto, só os maiores eventos do mundo começaram a levar fatores como os direitos humanos, sustentabilidade e transparência nas suas escolhas. Mas essa tendência é inevitável e, em breve, todas as organizações esportivas terão que repensar seus critérios para eventos e patrocínios se elas quiserem continuar atraindo as melhores empresas. O futuro do esporte será mais justo, democrático e aberto para todos os torcedores.

* Ricardo Fort é CEO da Sport by Fort e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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