Opinião: O mercado da memória

Memorabilia é um desses anglicanismos que não pegaram no Brasil. Dependendo da idade do leitor talvez a palavra que venha em mente seja souvenir, de origem francesa, que soa um tanto antiquada para um momento em que tanto se fala em NFTs e blockchain.

Nessa hora, recorremos ao verbete “colecionismo”. Com sentido mais amplo, a palavra que originalmente engloba mais de uma categoria de itens e traduz um comportamento funciona bem para enquadrar aquelas figurinhas do Campeonato Brasileiro de 1996 que resistem bravamente a cada faxina na gaveta de quinquilharias. Seu apego à “careca cabeluda” estampada no cromo autocolante do corintiano Alcindo, a figurinha do craque Bebeto com a camisa do Flamengo ou até mesmo o goleiro botafoguense Wagner com o seu boné pitoresco são amostras de que a nostalgia tem um lugar importante dentro da nossa memória afetivo-desportiva.

Essa saudade de outros tempos é um fator tão importante quanto a antiguidade e a raridade na hora de se atribuir valor a um produto. No entanto, enquanto nos Estados Unidos o mercado de colecionáveis esportivos movimenta em torno de US$ 15 bilhões por ano, aqui no Brasil ele praticamente se restringe a garimpar itens na internet por preços arbitrários, indexados por altas doses de sentimentalismo.

No mercado brasileiro, por exemplo, aquele Bebeto rubro-negro pode sair pelos mesmos R$ 8 que uma figurinha dourada e brilhante do Pelé “legends”, lançada para a Copa do Mundo de 2018. Já uma figurinha avulsa mais antiga do Rei do Futebol, do álbum de 1974 “Brasil de Ouro”, custa quase o mesmo que uma camisa de 1998 da seleção americana de futebol autografada pelo extravagante zagueiro ruivo Alexi Lalas, ou que o álbum inteiro com um Pelé colado e estampando as páginas ao lado de Chacrinha, Hebe Camargo, três dos Beatles e alguns outros cromos faltando.

Claudio Pracownik é CEO da Win The Game / Divulgação 

Grande parte das cifras movimentadas nos EUA vem de uma indústria que, por décadas, se consolidou em torno do colecionismo e alçou voos ainda mais altos com a chegada de tecnologias como a do blockchain e dos NFTs. É um universo que engloba desde corretoras de investimentos até agências especializadas em avaliar autenticidade e qualidade de itens como artigos esportivos, cards de Pokémon, cartuchos de videogame vintage, bonecos Funko e NFTs. São ativos que, nessa nova economia, transcenderam o papel de colecionáveis e se transformaram, inclusive, em alternativas de investimentos. Não é à toa que empresas como Disney e Visa, e até clubes brasileiros, como o Atlético Mineiro, têm olhado com atenção para esse mercado.

Dibbs

O movimento recente da Amazon de investir na plataforma de cards on-line Dibbs reforça o boom de novas teses para esses ativos. Fundada em outubro de 2020, a startup é mais do que um site para compra e venda desse equivalente americano às nossas figurinhas. Os cards, ou cartas, em bom português, são figurinhas mais encorpadas, que se assemelham a cartas de baralho.

Presentes há mais de sete décadas na cultura esportiva dos EUA, os cards, que no início apenas celebravam os feitos de um atleta, hoje agregam estatísticas e feitos dos atletas, e podem incluir um pedaço de uniforme utilizado em uma partida importante, ou até mesmo vir com um autógrafo de próprio punho.

Com valores que partem de US$ 5 por um pacotinho com um punhado de cartas da temporada atual, e chegam a incríveis US$ 6,6 milhões por um dos primeiros cards da história ou US$ 4,3 milhões por uma versão exclusiva do card de um novato de 2017, o quarterback campeão do Super Bowl Patrick Mahomes, a Dibbs entendeu por bem ampliar seu mercado e democratizar seu acesso aplicando o conceito de “fractional shares”, cada vez mais popular no mercado de arte, que permite vender frações de qualquer item por valores que cabem no bolso da maioria dos interessados.

Falar em figurinhas, cartas e camisas autografadas pode soar pueril para pessoas que ainda gostam de investir em ativos mais tradicionais como ouro e CDBs, ou para quem surfa nas doses de especulação e na volatilidade do mercado de ações e cripto. No entanto, a chegada de ingressos de partidas e cards virtuais com artes exclusivas no formato de NFT abre um universo de novas receitas para o esporte e, de partida, transforma os colecionáveis em um ingrediente importante para promover (e monetizar!) o engajamento dos torcedores.

Claudio Pracownik é CEO da Win The Game
J.R. Pisani é Research Associate da Win The Game 

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