Opinião: Para as SAFs, poder de investimento não pode ser critério único

É curioso ver o Botafogo entrar em campo sem patrocinadores na camisa; há um ar nostálgico em um dos mais tradicionais clubes do Brasil. Por trás da estratégia, algo desejável em alguns setores do mercado esportivo nacional há tempos: a busca por parceiros mais exclusivos, que paguem mais. O homem do plano é John Textor, o ex-skatista que promete levar a equipe carioca ao topo. Para isso, falta apenas um detalhe: mostrar que é possível.

Textor usa a estratégia que parece a mais correta, e, por crer nesse caminho, a faz de maneira radical, com o encerramento de diversos contratos. Mas sua experiência é extremamente limitada. O executivo tem pouca familiaridade com o mercado brasileiro e, de forma prática, com o futebol de forma geral.

Seus empreendimentos incluem uma equipe da Premier League, é verdade, mas com ações minoritárias e dentro de um mercado muito mais desenvolvido que o brasileiro. Seu outro braço no futebol está em uma desconhecida agremiação da Bélgica. Não há nada em seu histórico que o habilite como um grande gestor de um clube de futebol brasileiro.

Isso não é um modo de diminuir os méritos de Textor, que tem como grande trunfo o sucesso da FuboTV, empresa que inclusive flutuou muito bem no futebol, especialmente com a Benfica TV. É um ótimo expertise em mídia, mas que não pode ser apresentado como garantia para um time de futebol.

E se ele estiver errado nas suas estratégias no Botafogo? Para que as SAFs sejam esportivamente bem-sucedidas, elas precisam ser extremamente bem-sucedidas nas finanças, a ponto de o investidor ser capaz de recuperar o investimento e ainda manter uma equipe reforçada. Hoje, a grande maioria dos clubes, incluindo o Botafogo, não consegue manter o alto nível mesmo sem nenhuma necessidade de lucro. Para mudar o jogo, é necessário mais do que uma verba inicial; é preciso um know-how apurado. Se Textor estiver errado, o tombo é grande demais para o time.

O Cruzeiro, com Ronaldo, pode ter a mesma preocupação. O ex-jogador colocou o Valladolid em uma situação financeira bem mais salutar, mas não conseguiu transformar a equipe em protagonista. Ao contrário, a dança de divisões permanece na agremiação espanhola. Mais uma vez, não é tirar mérito do executivo, mas mostrar que ninguém faz milagre. Será que a torcida mineira se contentará com um time sustentável, mas fora do primeiro escalão do futebol brasileiro?

O que alguns dirigentes têm feito no momento é tirar a responsabilidade de anos de gestões tenebrosas. Vendem a ideia de que a SAF é a solução, mas desconsideram que o mercado é tão complexo que eles mesmos, em entidades sem fim lucrativo, fracassaram miseravelmente.

Há o argumento de que, em algumas situações, receber um investidor é a única solução para sair do buraco, mesmo com diversos casos no mercado de recuperação de equipes, inclusive dentro do futebol brasileiro.

Textor e Ronaldo certamente serão melhores gestores que seus antecessores nos clubes, mas nenhum torcedor pode achar que a solução virá em um estalar de dedos, mesmo que no curto prazo a situação seja empolgante. Ninguém queima dinheiro investido e não há mágicos que possam multiplicar os ganhos de uma empresa num piscar de olhos. O alto investimento simplesmente não é o suficiente.

Os dois executivos certamente podem fazer um ótimo trabalho, mas não há qualquer garantia de que isso aconteça. E esse risco precisa sempre ser mais bem calculado pelos dirigentes que afundaram o barco, claro, mas principalmente pelos torcedores, aqueles que verdadeiramente investem nas equipes.

Duda Lopes é CEO da Pivô Comunicação e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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