Opinião: Quando paramos de ver o esporte como crianças

Era uma manhã tranquila em Coral Gables, no ensolarado e quente inverno de Miami. Por volta das oito horas da manhã, várias crianças caminhavam em direção ao prédio amarelo de estilo mediterrâneo onde fica a escola do bairro usando a camisa verde e laranja do Miami Dolphins, o time profissional de futebol americano da cidade, que faz parte da NFL. O calendário escolar tem alguns dias especiais nos quais, em vez do uniforme, os alunos podem usar roupas que fazem referência a um personagem ou a uma data específica. Naquele dia, o tema era o Dolphins.

Curiosamente, a data que já estava há meses no calendário escolar foi o dia seguinte às explosivas acusações de Brian Flores, demitido do Miami depois de duas temporadas vitoriosas. O treinador acusou a liga de ter um sistema racista que dificulta o acesso de negros a vagas no alto escalão, incluindo a função de treinador, aqui chamado de head coach, já que a estrutura do esporte prevê técnicos especializados como os de defesa, ataque e outras funções. Flores, que é negro, se disse protagonista de uma entrevista feita só para manter as aparências e cumprir a regra quando o New York Giants já tinha decidido contratar um técnico branco.

A outra acusação foi direcionada ao dono do Dolphins, Stephen Ross, que teria oferecido a quantia de US$ 100 mil para cada partida perdida de propósito para conseguir melhores escolhas no draft, que distribui os destaques do futebol americano universitário na liga profissional. Ross nega veementemente as acusações, mas a NFL está investigando.

Perder de forma intencional não é novidade do esporte americano. Trata-se de um fenômeno chamado de “tanking“. Muitas vezes, jogadores e treinadores não participam ativamente do processo. Basta que o dono e o general manager (diretor geral) movam algumas peças do elenco e tornem vencer uma missão praticamente impossível. 

O apelo para esses dirigentes é o fato de existir há muito tempo nas ligas profissionais do esporte americano um sistema que faz com que os times de pior desempenho em uma temporada tenham acesso às primeiras escolhas de jogadores jovens, normalmente universitários, para a temporada seguinte. Dessa forma, há uma maior chance de equilíbrio com o acesso de equipes com desempenho ruim a grandes jogadores em torno dos quais um time pode ser reconstruído, como no caso do Cincinnati Bengals com o quarterback Joe Burrow, que acabou de disputar o Super Bowl.

É interessante a capacidade que algumas pessoas têm de transformar soluções do passado em problemas do futuro e fazer com que algo que foi criado como uma ótima saída para promover diversidade ou fazer com que a introdução de novos atletas na liga de uma maneira que não dependa apenas de dinheiro passe a ser uma preocupação com relação à integridade das partidas que são disputadas e, por consequência, da própria liga.

Nessas horas, tenho vontade, nem que por apenas alguns minutos, de ver o esporte como aquelas crianças que estavam com a camisa do Miami Dolphins. Ou como fazem meus filhos, que têm seis anos de idade. Eles escolhem um time, às vezes só pela cor do uniforme, se divertem, e ao final do jogo já estão com a atenção voltada para outra atividade. Mas logo eles vão aprender que temas como racismo, justiça social, integridade, paz e direitos humanos devem ser prioritários.

Espero que entendam também que o esporte não é o problema, mas ajuda a enxergar muito do que precisa ser mudado no mundo.

Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

Sair da versão mobile