Frequentemente, surgem na mídia especializada notícias envolvendo cláusulas de renovação ou prorrogação automática em contratos de trabalho de atletas profissionais de futebol. Com efeito, mediante simples pesquisa no Google desses termos, é possível encontrar matérias recentes envolvendo Rossi e Bahia, Vanderlei e Vasco, Hulk e Atlético Mineiro, Pablo e São Paulo e Fábio e Fluminense.
Mas será que essas disposições são válidas de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro? Buscando chegar a uma resposta, esta coluna tratará dos principais pontos que devem ser considerados para analisar o tema.
Conforme revelam as notícias da mídia especializada, é comum que os clubes e os atletas ajustem cláusulas de renovação ou prorrogação automática dos seus contratos de trabalho. É o caso, por exemplo, de uma previsão que autorize a agremiação, a seu exclusivo critério, a aumentar o prazo contratual desse documento ou que determine sua prorrogação, caso o atleta atinja determinadas metas.
No entanto, resta indagar: apesar de frequentes, será que essas cláusulas são válidas?
O direito brasileiro possui nítida preocupação com cláusulas contratuais que deixam uma das partes sujeita – de forma impotente – à vontade arbitrária da outra. Dá-se a isso o nome de condição puramente potestativa e é o caso, por exemplo, de direito concedido a apenas uma das partes de prorrogação/renovação condicionado, tão somente, a algo que dependa dela mesma. Em outras palavras, em termos práticos, é dizer: esse contrato será renovado/prorrogado se apenas uma das partes assim quiser.
Observe-se, que, em tais casos, não resta alternativa a um dos contratantes, senão aguardar para ver se o outro exercerá determinado direito ou não. Em razão disso, tais previsões são, em regra, consideradas abusivas e, portanto, nulas.
O problema, porém, é que nem sempre é claro se estamos diante de condição puramente potestativa ou não, o que torna a matéria discutível. Nesse sentido, convém destacar que a cláusula poderá ser considerada válida se o direito da parte estiver condicionado não apenas à sua vontade, mas também a um evento sobre o qual não possua controle total, como a convocação do jogador à seleção brasileira.
Nesse sentido, pode-se dizer que as cláusulas devem ser analisadas de acordo com a boa-fé, não sendo válidas aquelas que sejam consideradas manifestamente abusivas e em que uma das partes esteja sujeita à tirania da outra.
Pois bem. Diante disso, como classificar as cláusulas que preveem renovação ou prorrogação automática de contratos de trabalho de atletas profissionais de futebol? Seriam tais disposições abusivas e, portanto, inválidas?
É verdade que já há casos na jurisprudência trabalhista brasileira em que essa prorrogação automática foi considerada condição puramente potestativa, sendo, então, abusiva e inválida (nesse sentido, vide, por exemplo, o caso CAS 2013/A/3260). No entanto, é possível que esse ajuste seja realizado de formas diferentes, condicionando-se apenas à vontade de um dos contratantes ou não.
Assim, é preciso analisar, caso a caso, se há ou não abusividade, recomendando-se, sempre, que um advogado seja consultado e destacando-se o fato de que a matéria se sujeita a entendimentos jurisprudenciais diversos. Não é possível, pois, cravar previamente respostas categóricas e genéricas.
Apesar disso, cumpre destacar que a jurisprudência internacional desportiva pode nos ajudar a compreender quais pontos devem ser considerados para definir se a disposição é valida ou não.
Com efeito, há repetidos casos que tratam do tema no âmbito da FIFA e da Corte Arbitral do Esporte. Como consequência, criou-se o entendimento, nessas esferas, de que as cláusulas de renovação ou prorrogação automática de contrato de trabalho apenas seriam consideradas válidas quando cumprissem com os seguintes pré-requisitos:
i) disposição clara e destacada da opção de renovação/prorrogação no contrato;
ii) potencial prazo máximo de duração da relação trabalhista que não seja excessivo;
iii) exercício da opção em tempo hábil e razoável;
iv) previsão de aumento salarial na cláusula de opção de renovação/prorrogação; e
v) situação em que uma das partes não esteja à mercê da outra.
A mero título de exemplo, vejamos, então, como cada um desses pré-requisitos podem nos ajudar na prática, pensando em hipóteses concretas de cláusulas de prorrogação/renovação contratual (reitere-se que essas considerações não afastam a necessidade de analisar cada cláusula diante do caso concreto, sendo sempre recomendável uma consulta a um advogado especializado no tema):
HIPÓTESE A
As partes ajustam que o clube terá o direito, a seu exclusivo critério e a qualquer momento, de alterar o prazo ajustado para vigência deste contrato de trabalho.
Conforme já mencionado, para entender se as referidas cláusulas são válidas, é preciso analisar se há ou não abusividade. Ou seja, se a previsão contratual deixa ou não uma das partes em situação injustificadamente desvantajosa.
Nesse sentido, parece razoável afirmar que, para que se considere que determinada cláusula não coloca uma das partes em situação abusiva, deve ficar claro quais são as consequências dessa previsão.
Em outras palavras: para que a renovação ou a prorrogação automática seja válida, determinadas circunstâncias devem estar claras, tais como: em que situações ela pode ocorrer, até quando esse direito pode ser exercido, por quanto tempo o contrato será renovado ou prorrogado e quais serão as consequências disso. Constata-se, assim, que previsões genéricas, como a da Hipótese A, mostram-se problemáticas, eis que não revelam de forma clara o que está sendo ajustado.
HIPÓTESE B
As partes ajustam que o clube terá o direito, a seu exclusivo critério e a qualquer momento, de exercer opção de renovação deste contrato de trabalho por mais seis anos.
É necessário, também, que a renovação ou prorrogação automática respeite os prazos permitidos para contratos de trabalho de atleta profissional de futebol. Por exemplo, de acordo com a Lei Pelé, que rege o esporte brasileiro, esses contratos devem possuir prazo determinado, que pode ser de três meses a cinco anos.
Assim, deve-se reconhecer a impossibilidade de prorrogar tais documentos por seis anos, como sugerido na Hipótese B, eis que isso excederia o prazo máximo permitido por lei.
HIPÓTESE C
As partes ajustam que o clube terá o direito, a seu exclusivo critério e a qualquer momento, de exercer opção de renovação deste contrato de trabalho por mais um ano, mantidas as mesmas condições salariais.
Não obstante, destaca-se o fato de que, como é sabido, a renovação e/ou a prorrogação de um contrato de trabalho é um momento de suma importância para que o atleta negocie a majoração de seu salário. Entende-se, então, que, para ser válida, uma eventual opção de renovação/prorrogação deve prever aumento salarial razoável.
Assim, apesar de a Hipótese C não ser excessivamente genérica e, possivelmente, respeitar o prazo de duração máximo permitido por lei para contratos de trabalho de atletas, a previsão de manutenção das condições salariais a torna discutível.
HIPÓTESE D
As partes ajustam que o clube terá o direito, a seu exclusivo critério, de exercer, em até 30 dias do término deste contrato de trabalho, opção de sua renovação por mais um ano, hipótese em que haverá a majoração do salário do atleta em 20%.
Além do quanto já foi exposto, o exercício da opção de renovação ou prorrogação deve ser realizado em tempo hábil e razoável. Afinal, seria abusiva uma cláusula que deixasse uma das partes sujeita indefinidamente à vontade da outra em renovar ou prorrogar o documento.
Diante disso, torna-se questionável o fato de a Hipótese D autorizar que o clube exerça a opção de renovação em até 30 dias após o término de vigência do contrato de trabalho. Com efeito, isso faria com que o atleta devesse permanecer um mês desempregado, sem negociar com outros clubes e à mercê da vontade da sua antiga agremiação, o que não parece razoável.
HIPÓTESE E
As partes ajustam que, caso o atleta atue, na condição de titular, por mais de 60% das partidas oficiais do elenco principal do clube no primeiro ano de vigência deste contrato de trabalho, o clube terá o direito de exercer opção de sua prorrogação por mais um ano, hipótese em que haverá a majoração do salário do atleta em 20%.
HIPÓTESE F
As partes ajustam que tanto o clube quanto o atleta poderão optar por prorrogar este contrato de trabalho por mais um ano, mediante majoração do salário do atleta em 20%, contanto que informe a parte contrária em até sete meses antes do término da vigência previamente acordada.
Por fim, destaca a jurisprudência internacional que, para que a opção de renovação/prorrogação automática seja válida, uma das partes não pode estar sujeita impotentemente ao arbítrio da outra. Destaque-se que tal condição coincide com a já mencionada vedação no ordenamento brasileiro às condições puramente potestativas.
No entanto, para evitar essa tirania, as Hipótese E e F revelam alternativas interessantes.
Superadas as discussões enfrentadas anteriormente quanto aos demais pré-requisitos, constata-se que a Hipótese E condiciona o direito do clube ao evento de o atleta atuar, na condição de titular, por mais de 60% das partidas oficiais de seu elenco principal.
Pode-se argumentar, então, que, nesse caso, a agremiação não depende apenas da sua própria vontade para renovar o contrato de trabalho, pois o atingimento da meta pelo jogador também pressupõe outras circunstâncias, como é o caso, por exemplo, de esse não sofrer lesão grave que o afaste dos gramados por muitos jogos ou não ser suspenso por infrações disciplinares/antidopagem.
Já na Hipótese F, percebe-se que há uma opção bilateral de prorrogação. Ou seja, o direito de prorrogar o contrato não é apenas do clube, mas também do atleta. Como consequência, é possível defender que nenhuma das partes estaria sujeita ao arbítrio da outra.
Dessa forma, conclui-se que, apesar de frequentes, nem sempre as opções de renovação ou prorrogação automática são consideradas válidas pelo ordenamento brasileiro. Com efeito, deve ser analisado, caso a caso, se a previsão contém condição puramente potestativa ou qualquer abusividade. Para isso, são úteis os pré-requisitos definidos pela jurisprudência internacional, sendo, porém, sempre recomendável consultar um profissional especializado no tema.
Alice Laurindo é graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados, é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membra da IB|A Académie du Sport e escreve bimestralmente na Máquina do Esporte