Opinião: SAF não é solução nem culpada de todos os problemas do futebol brasileiro

A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) foi aprovada na Câmara em julho do ano passado. Desde então, a regra que libera a transformação dos times de futebol em empresa já foi vista como solução para todos os problemas dos clubes inviabilizados financeiramente ou como ferramenta de destruição do patrimônio afetivo dos torcedores.

A SAF não é uma coisa nem outra. Ela propiciou, por exemplo, que um clube como o Botafogo resgatasse a autoestima do seu torcedor. A entrada do investidor John Textor na equipe ainda não rendeu títulos, mas é notório, nas redes sociais e no mundo real, que a injeção de dinheiro (que há muito tempo o Botafogo não via) entusiasmou sua base de fãs e atraiu mais torcida ao Nilton Santos.

De coadjuvante no Brasileirão, o time alvinegro passou a ser visto como adversário difícil, motivado pelas contratações “de baciada“ já promovidas por Textor, que trouxe até jogadores do grupo de times mais ricos do Brasil, como Palmeiras e Atlético-MG.

Nesse curto período, o americano já tomou iniciativas para internacionalizar a marca e rasgou todos os contratos de patrocínio, bancando do próprio bolso os custos do elenco profissional enquanto não atrai parceiros mais fortes e rentáveis.

No Vasco, a possível chegada da 777 Partners como investidora é vista como solução para melhorar o nível do elenco atual e fazer com que a torcida possa sonhar com o retorno à elite. O Vasco é uma instituição gigante e um patrimônio do futebol brasileiro. Teve um invejável posicionamento contra o racismo em um período em que tal tema passava longe das preocupações da maioria de seus adversários.

Há ainda clubes brasileiros sem o mesmo apelo de massa, mas que tiveram uma ascensão indiscutível desde que viraram clube-empresa. É o caso do Bragantino. Longe do auge quando chegou até a ser campeão paulista e finalista do Brasileirão, o time de Bragança Paulista parecia um condenado eterno à Série B. Adquirido pela Red Bull, já não se preocupa com uma queda da primeira divisão. Em 2021, foi finalista da Copa Sul-Americana, um feito fantástico para uma equipe do interior paulista.

Já o Cuiabá colocou o Mato Grosso no mapa da Série A. Desde o surgimento da fórmula de pontos corridos, nunca o estado havia jogado o Brasileirão. Em seu primeiro ano na elite, conseguiu duas façanhas: manteve-se na primeira divisão e conquistou vaga inédita na Copa Sul-Americana. De quebra, manda seus jogos na Arena Pantanal, anteriormente condenada a ser mais um elefante branco da Copa de 2014.

Dos projetos de SAF do futebol brasileiro, o que mais patina é o do Cruzeiro. Há erros e acertos de gestão desde que Ronaldo Nazário assumiu a SAF do time mineiro. Ele acertou ao modernizar a governança, auditar as dívidas, regularizar a folha salarial e acertar pagamentos atrasados de transferências, que levou a FIFA a punir o time com o transfer ban (impedimento de realizar contratações).

A gestão, porém, errou ao não manter o goleiro Fábio no elenco. Aos 41 anos, o jogador pode parecer velho, mas tem sido útil ao Fluminense no Brasileirão. Não dar reconhecimento ao maior ídolo recente do clube foi uma derrapada que gerou revolta na torcida.

Nos poucos meses de gestão, no entanto, o Cruzeiro já chegou à decisão do Campeonato Mineiro, algo que não alcançava desde 2019, quando ainda jogava a elite nacional. Na Série B, principal objetivo da temporada, o clube ainda patina, mas é difícil avaliar que o trabalho seja um fracasso após apenas 4 de 38 rodadas.

Empresas, obviamente, são feitas para dar lucro. No entanto, nenhum empreendimento minimamente moderno se limitará a isso. Marcas buscam criar valor para todos os seus stakeholders, sejam fornecedores ou clientes, estabelecendo fortes laços no ecossistema em que atuam. Não são apenas balcão de negócios.

Transposto ao mundo do futebol, os clubes-empresa estabelecem mecanismos eficientes de gestão e governança, já que precisam gerar renda que assegure a continuidade das suas atividades. Mas não sobreviverão sem resgatar e fortalecer as conexões emocionais com os torcedores.

Adalberto Leister Filho é repórter da Máquina do Esporte

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