Apesar das inúmeras tentativas de estabelecer a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, os problemas com integridade têm sido parte relevante da cobertura da imprensa nos últimos meses.
Como já foi mencionado em colunas anteriores, o esporte brasileiro (o futebol, principalmente) tem se tornado um dos maiores alvos de manipulação de resultados no mundo. A corrupção relacionada às apostas esportivas se mostra, atualmente, uma verdadeira ameaça a todos os níveis do esporte nacional.
Mas por que isso importa tanto e por que uma ação imediata é necessária para garantir o futuro a longo prazo do mercado regulado de apostas no Brasil?
O poder único do esporte
Como sua essência, o esporte tem a habilidade de provar a maior capacidade do ser humano. Trabalho em equipe, humildade e dedicação são intrínsecos no que faz o esporte cativar bilhões de pessoas ao redor do mundo. O esporte é verdadeiramente especial e tem a capacidade única de, em um mundo, muitas vezes, dividido, inspirar e unir pessoas em grandes escalas.
No entanto, isso só é verdade se o esporte consegue se manter justo e imprevisível. O apelo dessa atividade, em que o formato de entretenimento ao vivo continua duradouro, é construído na premissa de que não se sabe o que pode acontecer em uma partida, em um torneio, já que qualquer participante pode vencer seu oponente.
No Brasil, nosso sistema de monitoramento de integridade já identificou dezenas de partidas em 2023 que podem ter sido manipuladas. Isso pode ser em relação aos resultados dos jogos ou em mercados mais específicos, como número total de gols, cartões ou faltas.
Consequência para o ecossistema esportivo
Quando avaliamos as consequências dos escândalos de manipulação de resultados, o primeiro pensamento vai imediatamente para as próprias ligas e federações por trás dos jogos. Os donos das competições que não consigam erradicar as ameaças à sua integridade podem enfrentar graves consequências financeiras e de reputação durante um longo período.
Financeiramente, os patrocinadores e os fãs não vão querer se associar a competições esportivas que podem estar manipuladas. Os parceiros comerciais estão sempre buscando conexão com torcedores superengajados e apaixonados para que possam promover suas marcas e produtos. Mas nenhuma empresa tem a intenção de se relacionar com uma organização esportiva que não tem transparência e imprevisibilidade.
Da mesma maneira, uma competição que não possui atratividade e competitividade faz com que os fãs percam o interesse nos jogos.
Para os atletas, técnicos e árbitros que participam de esportes que se tornaram vítimas de escândalos de integridade, as consequências pessoais e profissionais são altíssimas, principalmente os que fizeram parte do esquema de manipulação. Compartilhar informações sensíveis ou impactar propositalmente o resultado de uma partida pode levá-los a enfrentar punições que vão desde proibições vitalícias de atuação no esporte até prisão.
Para as casas de apostas, os escândalos de manipulação de resultados têm consequências financeiras enormes. Afinal, são elas que enfrentam as responsabilidades financeiras com essas organizações criminosas e “pagam a conta” dos jogos manipulados.
Ameaçando o futuro do mercado brasileiro
Para o governo brasileiro, a onda contínua de escândalos de integridade ameaça inviabilizar o futuro do mercado de apostas legalizadas antes mesmo de ele começar. Sem medidas de integridade, grandes casas de apostas não vão querer operar no mercado brasileiro, os fãs ficarão céticos em fazer apostas, e as ligas continuarão a enfrentar grandes consequências.
Como resposta a isso, não existe solução mágica que possa livrar repentinamente o mercado brasileiro desse problema, e todos devem assumir a responsabilidade. Esse movimento de integridade deve ser liderado pelo próprio esporte, que, como já argumentei em colunas anteriores, deve adotar uma abordagem ampla à integridade, abrangendo várias medidas importantes, como monitoramento de apostas, educação, coleta e análise de inteligência e muito mais.
Reguladores devem encorajar e permitir a cooperação entre o esporte, casas de apostas e órgãos competentes para garantir mecanismos efetivos para iniciativas conjuntas e compartilhamento de informações. E as próprias casas de apostas podem facilitar as investigações, compartilhando informações sobre as contas e operações, e trabalhando com as modalidades e seus parceiros de integridade para identificar tendências e ameaças.
O Brasil é considerado, há muito tempo, o gigante adormecido do mundo das apostas esportivas. Mas, a menos que sejam tomadas medidas fundamentais para conter a maré de incidentes de manipulação de resultados, todo esse potencial nunca será libertado.
Guilherme Buso liderou a comunicação do NBB por mais de uma década e ainda trabalhou na Federação Paulista de Futebol (FPF) e na Puma Brasil, antes de assumir como líder de esportes e apostas da Genius Sports para o mercado brasileiro. Jornalista com Pós-Graduação em Marketing e Mestrado em Gestão Desportiva pela Universidade de Coventry (Inglaterra), ele escreve mensalmente na Máquina do Esporte