Após a eliminação do Boca Juniors na Libertadores, o jornalista Maxi Espejo, do jornal “Olé”, demonstrou publicamente um incômodo com as redes sociais oficiais do adversário dos argentinos, o Corinthians. “O respeito deve ser mantido entre os clubes. Depois, há reações, que não se justificam”, afirmou. A frase se referia às provocações levantadas pelas páginas do clube paulista. O questionamento mostra que o Brasil é um caso à parte nesse quesito e levanta a necessidade de uma reflexão sobre a prática.
Por acaso, o Corinthians esteve diretamente envolvido, poucos dias depois, em uma das cenas mais tristes do futebol brasileiro de elite nos últimos anos: a invasão de torcedores santistas ao gramado da Vila Belmiro, com agressão ao goleiro Cássio, maior ícone do atual elenco corintiano.
A reação exacerbada dos torcedores santistas não pode ser tirada do contexto. Começa em fevereiro, com uma vitória do Santos sobre o Corinthians na Neo Química Arena. Nas redes sociais, os atacantes do time do litoral, Marcos Leonardo e Ângelo, não hesitaram em provocar: “Itaquera é nosso quintal, se ficar puto é pior!”. No primeiro jogo da Copa do Brasil, os jogadores do Corinthians, especialmente os mais jovens, abusaram de firulas e provocações, em clara resposta ao incômodo gerado anteriormente. No jogo final, o caso de violência.
Obviamente, relacionar a violência do futebol a provocações e piadas na internet é de uma enorme ingenuidade. Não será o silêncio nas redes que cessará um contexto de tamanha complexidade, assim como medidas recentes, como a imposição de torcida única, se mostram completamente inofensivas. Se o problema fosse de fácil resolução, já não haveria mais problema.
A questão é como os clubes se posicionam em um cenário de animosidade nas arquibancadas. O caso da Vila Belmiro não é isolado, a considerar que, também neste ano, um torcedor invadiu um jogo da Copa São Paulo de Futebol Júnior entre São Paulo e Palmeiras com uma faca na mão. O que fazem os clubes? Fecham os olhos e fazem piadas, basicamente.
A intenção, claro, é chegar à grande maioria dos torcedores com leveza e bom humor, características mais do que desejadas em um futebol saudável. Mas, diante das últimas cenas, a iniciativa parece, no mínimo, insensível. É quase cúmplice de um clima insustentável. Será que essa é uma imagem que os clubes precisam carregar consigo? Será que exaltar a vitória não é suficiente? Lembrando que a prática é recorrente em vários clubes, como aconteceu recentemente após o duelo entre São Paulo e Palmeiras pela Copa do Brasil.
A comunicação do esporte não pode estar à margem da responsabilidade que ela carrega. Na Inglaterra, essa discussão aconteceu nos meios de comunicação e culminou no abandono de algumas práticas. A partir da década de 1960, os jornais do país começaram a dar mais espaço a casos de violência no futebol. No estopim, chegaram a ranquear o número de vítimas de cada grupo de torcedores. O que era para ser um recorte de uma realidade social se tornou uma promoção dos grupos ultras. A mídia se tornou o troféu dos violentos.
No fim dos anos 1980, após o enorme insucesso das medidas de repressão aos grupos de torcedores no Governo Thatcher, houve um consenso entre grupos de mídia e autoridades públicas para que reportagens do tipo fossem reduzidas, e os jornais pararam de cobrir o hooliganismo. Além de interromper a promoção da violência, a medida era simpática ao Relatório Taylor e ao plano da Inglaterra de limpar a imagem do futebol.
Não foi isso, claro, que acabou com a violência no futebol inglês. Até porque ela existe até hoje, ainda que às margens da elite do futebol do país, longe da badalada Premier League. A comunicação, no entanto, não foi colocada em segundo plano, seja para resolver o problema, seja para a construção da reputação do produto futebol.
Essa é uma das discussões que os clubes brasileiros precisam refletir. Suas redes sociais e as redes sociais de seus jogadores não podem viver em um mundo fantasioso. Na hora da tragédia, um único lamento não pode estar alinhado com meses de provocações.
Duda Lopes é CEO da Pivô Comunicação e escreve mensalmente na Máquina do Esporte