Uma pausa na “grenalização”

Enchentes deixaram a Arena do Grêmio ilhada em Porto Alegre (RS) - Reprodução

Enfrentar uma catástrofe natural e sem precedentes como a que ocorre no Rio Grande do Sul requer muito mais que doações. São necessárias medidas adequadas e mobilização de pessoas, entidades governamentais e empresariais que, de fato, ajudem a minimizar danos e proteger vidas, com um olhar focado na reconstrução e no futuro de toda a população.

Por conta disso, foi decretado estado de calamidade em todo o estado e, desta forma, o envio de recursos para assistência humanitária, reconstrução de infraestruturas e serviços essenciais é facilitado.

Ouvi uma frase impactante em uma das diversas reuniões que tive ao longo dos últimos dias falando sobre o tema e buscando ações que possam de fato ser relevantes nesse momento: “São mais de 850 mil pessoas que não morreram, mas perderam a vida”.

Todos os noticiários mostram os esforços e as inúmeras ações que estão sendo tomadas para mitigar os danos sofridos, entretanto, até a publicação deste artigo, informações oficiais dão conta de mais de 100 mil pessoas que ficaram desalojadas e um número de mortos que pode passar de 100, ainda com a busca incansável pelos desaparecidos.

Esses dados mostram apenas uma parte da dimensão dessa tragédia. Não há um só setor da economia que não tenha sido afetado, e certamente isso não exclui o futebol.

Os jogos de Internacional, Juventude e Grêmio pela Copa do Brasil já foram adiados, assim como os da 5ª rodada do Campeonato Brasileiro. Nessa mesma direção, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), entidade responsável pelos torneios da América do Sul, informou que jogos de Grêmio e Internacional pelos torneios sul-americanos também foram adiados.

Em momentos como esse, há uma centelha de esperança sobre o comportamento que se deve ter das entidades esportivas ou das pessoas que vivem o esporte. E é muito bom saber que há um movimento importante em que, unidos pela solidariedade, os presidentes de Palmeiras, São Paulo e Flamengo tomaram frente para prestar auxílio, na figura de seus respectivos presidentes, colocando à disposição os respectivos CTs e estádios de seus clubes para os três clubes gaúchos que disputam a Série A do Brasileirão.

Por meio de um comunicado, os três mandatários informaram que “lamentam profundamente a tragédia provocada pelas fortes chuvas na região” e colocaram à disposição toda a estrutura que dispõem para os clubes impactados pelas enchentes que assolam e devastam a vida de milhares de famílias.

Quem também entrou nessa corrente solidária foram o Atlético-MG, que abriu os portões da Cidade do Galo, local onde o time profissional trabalha, para Grêmio, Internacional e Juventude, e o Santos, que arrecadou mais de R$ 70 mil em venda de ingressos simbólicos em prol das pessoas atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, além de disponibilizar o CT Rei Pelé para os clubes gaúchos.

Há muitas iniciativas sociais de doações, bem como inúmeros artistas, celebridades e atletas que estão utilizando sua força e influência para fomentar a divulgação de sites que se propuseram a arrecadar fundos em prol das vítimas das enchentes. A Rainha Marta, por exemplo, usou as redes para pedir doações às pessoas afetadas. A atacante fez o apelo por meio de um vídeo em que aparece ao lado das compatriotas Angelina, Rafaelle e Adriana, que também defendem o Orlando Pride, dos Estados Unidos.

O elenco masculino da dupla Grenal também contribuiu com auxílio às vítimas de maneiras diferentes. No Internacional, o volante Thiago Maia levou cestas básicas ao ginásio de esportes do Colorado, enquanto o goleiro uruguaio Sergio Rochet participou da distribuição de alimentos e produtos de higiene pessoal. Pelo lado do Grêmio, o goleiro Caíque se uniu a amigos e voluntários para resgatar pessoas ilhadas em casas na zona norte de Porto Alegre, enquanto o atacante Diego Costa não só cedeu equipamentos de busca, como também sua casa para desabrigados que foram resgatados nessas regiões.

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Não é a primeira vez que adversários históricos se unem em prol de uma causa maior. Durante os anos 1980, Magic Johnson e Larry Bird protagonizaram uma das maiores rivalidades da história da NBA. Suas equipes, o Los Angeles Lakers e o Boston Celtics, competiram ferozmente em várias finais da liga. No entanto, fora das quadras, Johnson e Bird colaboraram em projetos de caridade, incluindo a conscientização sobre o HIV/Aids após Johnson revelar sua soropositividade em 1991.

Não seria utopia pensar que, no momento mais duro e impactante da vida dos gaúchos, houvesse uma pausa na chamada “grenalização” (termo criado para exemplificar quando existem dois lados opostos de uma mesma camada, que se digladiam de forma radical) em prol da reconstrução de um estado 70% destruído por uma tragédia jamais vista.

É em momentos como esse que nascem as histórias que se eternizam e podem até se tornar lendas, aquelas que nossos netos ouvirão incrédulos sobre algo que, até então, seria impensável, não fosse o propósito coletivo em detrimento das individualidades.

Por trás desses escudos gigantes e de suas histórias gloriosas, existem famílias, pais, filhos, netos, gente que trabalha na segurança, na cozinha, na manutenção das arenas, atuam na massagem e no vestuário dos atletas. São pessoas que podem ser anônimas, mas estão sofrendo e muito nesse momento que, de tão difícil que é, tornou-se indescritível.

Portanto, por essas e por tantas outras pessoas, nada poderia ser mais forte que a união de gigantes como Internacional e Grêmio em uma só voz, uma só força e, quem sabe, uma só cor, que chame atenção do mundo e possa, de fato, reconstruir a vida de milhares de gaúchos, sejam eles tricolores ou colorados.

Por fim e não menos importante, uso a oportunidade cedida pela Máquina do Esporte, como veículo de conscientização e mobilização, para que esse artigo possa incentivar ainda mais o engajamento e as doações para as diversas iniciativas que estão no ar. O momento é de mais ação e menos promoção. Pesquise e escolha a que mais lhe conecta com o verdadeiro propósito: ajudar quem realmente precisa.

Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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