Saída de Jeffinho do Botafogo mostra risco da SAF no futebol brasileiro

A torcida do Botafogo transformou John Textor em um ídolo do clube do quilate de Túlio Maravilha em 2022. Ainda mais depois de o investidor americano não só comprar 90% das ações da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) botafoguense, mas de injetar alguns milhões de euros na contratação de jogadores para tentar fazer o Glorioso voltar a seus dias mais felizes.

Ao longo de todo o ano passado, o americano fez juras de amor ao clube, chorou com a empolgação da torcida no Estádio Nilton Santos, disse que o Fogão seria um time de primeira grandeza, enfim, soube jogar para a torcida como poucos.

O amor botafoguense por Textor, porém, sofreu um abalo considerável no final de semana, quando o clube divulgou um comunicado sobre a saída de Jeffinho do time antes mesmo de completar 30 partidas com a camisa alvinegra.

“Botafogo e Olympique Lyonnais anunciam que conduziram negociações com o objetivo de chegar a um empréstimo com opção de compra do atleta Jeffinho. O jogador de 23 anos viaja para Lyon na segunda-feira (30), onde será submetido a exames médicos. A negociação abre um novo mercado internacional para o Glorioso e marca o início de uma ação em parceria entre Botafogo, Lyon e Resende (que integra a rede do OL) com um caminho sólido para os jovens atletas à Europa”, disse o clube, em nota oficial.

O Lyon, da França, é o novo brinquedinho de Textor. O americano comprou a maioria das ações do clube francês, e, agora, a Eagle Holding conta com três clubes para chamar de seu: além dos times do Brasil e da França, o Crystal Palace, da Inglaterra, faz parte do grupo.

A ida de Jeffinho ao Lyon coloca por terra o discurso apaixonado de Textor. Depois de o Botafogo receber uma consulta informal sobre a possibilidade de vender o jogador para um clube da Europa, o dono da holding decidiu o que era melhor para a empresa.

Jeffinho vai para o Lyon para que a Eagle consiga ganhar mais dinheiro. Uma venda do mercado sul-americano para o europeu tem um limite de valor. Entre dois clubes da Europa, porém, o negócio ganha novas proporções.

E o Botafogo nessa?

Bem, a torcida que adora dizer que Textor é um homem de negócios visionário não tem do que reclamar. De fato, o americano tomou a melhor decisão possível. Jeffinho fica “emprestado” ao Lyon, que, por sua vez, ganha o talento de um jovem de 23 anos. E, depois, se der certo na Europa, o jogador renderá muitos milhões. A quais cofres? Sem dúvida aos da Eagle Holding.

Sem ter qualquer compromisso assinado e registrado em cartório de que o Botafogo precisa ser a prioridade, Textor pode fazer o que quiser com o clube e seus atletas. Imagine, então, quando a Eagle se tornar uma empresa de capital aberto?

Como batemos na tecla desde o início da lei das SAFs, o clube se tornar uma empresa nem sempre pode ser sinal de fortalecimento do time de futebol e da marca. As palavras bonitas de Textor que encantaram o botafoguense em 2022, agora, precisam ser faladas em francês para os habitantes de Lyon.

Botafoguense, bem-vindo à estratégia dos donos multiclubes. Há alguns anos, ela já vem sendo bastante questionada na Europa pelos times de ligas menores que existem apenas para engordar os grandes. Foi por conta disso, aliás, que o Benfica vetou a entrada de Textor no clube, pouco antes de o Botafogo ser comprado no Brasil.

A SAF deu mais um cartão de visitas ao torcedor brasileiro. Como evitar que o maior fornecedor de pé de obra do mundo caia nesse conto? A única saída é fortalecer os clubes. Até para encontrar donos que venham somar, e não se aproveitar, do nosso potencial como formador de atletas. 

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo

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