Fui convidada recentemente para integrar a equipe do projeto Green Football Weekend no Brasil. Utilizando o poder do futebol para chamar atenção para questões climáticas e de sustentabilidade, o Terra Futebol Clube, como o projeto será chamado no nosso território, pretende inspirar clubes e torcedores em prol de mudanças positivas no nosso planeta.
A ideia central do Terra F.C. é aumentar os compromissos governamentais e individuais contra as alterações climáticas e a favor da proteção da natureza. Tá, mas como isso se conecta ao futebol?
Inegavelmente, esta é a modalidade esportiva de maior paixão nacional. Apesar de termos visto uma imensa manifestação positiva de entusiasmo e curiosidade durante as últimas semanas com os Jogos Olímpicos de Paris (e sou suspeita para falar deste tema depois de ter dedicado quase uma década da minha carreira aos esportes olímpicos do Flamengo), a indústria do futebol continua movimentando anualmente bilhões de dólares no mundo todo e superando com larga vantagem qualquer outra modalidade popular no Brasil.
O Terra Futebol Clube pretende usar esse “canhão” de visibilidade inspirado no Green Football Weekend, do Reino Unido, a maior campanha envolvendo futebol e sustentabilidade do mundo, tendo engajado 115 clubes desde a Premier League até a quarta divisão inglesa de futebol, tanto masculino como feminino, em três anos de existência. Por lá, já foram mais de 30 milhões de pessoas atingidas e mais de 300 milhões de menções em redes sociais, ultrapassando, assim, a marca de 20 mil gols verdes, que é o nome dado às metas atingidas pelos torcedores dos clubes participantes a cada ação de sustentabilidade concluída.
Tottenham e Arsenal foram os primeiros clubes a deixarem a rivalidade dentro de campo e se unirem pela causa fora dele, abrindo caminho para que centenas de outras instituições entrassem no jogo. TVs detentoras dos direitos de transmissão das ligas abraçaram o movimento, bem como jogadores do profissional à base.
Neste ano, o tema central do Green Football Weekend foi o poder da dieta vegetariana/vegana como auxílio à proteção mundial, com a redução da emissão de gases produzidos pela ingestão de carnes. A proposta teve como objetivo estimular os torcedores a experimentarem receitas vegetarianas e veganas, e trabalharem em conjunto com clubes e fornecedores dos estádios para sugerir a inclusão de opções desse tipo nos cardápios em dias de jogos.
Estes torcedores, então, registraram seus feitos, tanto de casa quanto do Estádio de Wembley, por meio de um QR Code na plataforma da campanha e marcaram gols verdes para seus times, fazendo com que subissem na tabela de classificação geral da Green Football Cup.
Uma simples mudança individual, de forma coletiva, fazendo a diferença e causando grande impacto. Essa é a proposta. E unir esse movimento à paixão pela camisa do seu clube, vendo-o com a possibilidade de vencer mais este campeonato, é um bônus relevante e divertido.
A Sky Sports e a TNT Sports entraram de cabeça na campanha junto de outras instituições inglesas que já olham para o impacto das emissões de carbono no ecossistema do futebol, como a Football Supporters’ Association, a Planet League e a Pledge Ball, junto da Count Us In. Em 2024, além dos torcedores dos clubes, o Green Football Weekend mobilizou chefs renomados, nutricionistas dos clubes, especialistas e mais de 70 jogadores. O ídolo do futebol inglês Gary Lineker é um dos embaixadores do programa. E, para os fãs de gastronomia, o livro de receitas dos jogadores está disponível na internet.
No Brasil, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco declararam apoio ao Terra F.C. no pré-lançamento do projeto, que contou com uma apresentação para convidados na Casa G20, no Rio de Janeiro (RJ), no último dia 8 de agosto. A médio e longo prazo, o intuito é garantir a participação da maior quantidade possível de clubes brasileiros e também de torcedores dos quatro cantos do país.
O papel dessas instituições é fundamental na proposta de mudança de paradigmas da questão climática. Com ações sustentáveis como “jogos verdes”, competições entre seus torcedores para ver quem marca mais “gols verdes”, criação de campanhas de conscientização e ainda formulação de políticas de sustentabilidade em suas ações no dia a dia, especialmente conectadas à paixão por suas camisas, o resultado do Terra F.C. está diretamente ligado à dedicação em disseminar a ideia e ao engajamento do fã de futebol.
O apito inicial marcou o início dessa partida. A cada 90 minutos, 1.500 campos de futebol de florestas são desmatados no mundo, de acordo com dados do Terra Futebol Clube. Que no Brasil, dentro dos clubes de futebol, as ações de sustentabilidade saiam cada vez mais de dentro apenas dos departamentos de responsabilidade social e das categorias de base, e cheguem às arquibancadas, às empresas parceiras e patrocinadores, à imprensa, aos fornecedores de material esportivo etc.
Não adianta apenas envolver o torcedor, se as práticas dentro dos clubes continuarem correndo na contramão desse fluxo. Já existe uma lupa maior na Inglaterra em relação à emissão de CO2 nas viagens dos times e nos meios de transporte terrestres, por exemplo. Transportes elétricos já estão começando a entrar na conversa, bem como a redução de viagens de avião e jatos privados.
O Forest Green Rovers (não é novidade para muita gente) é considerado o time mais “verde” do mundo, com uma série de iniciativas sustentáveis como painéis solares, reúso consciente da água e objetos de manutenção dos gramados nos centros de treinamentos com uso de energia solar, entre outras ações. A proposta deles é neutralizar 100% do que emitem de poluentes na natureza.
No evento de lançamento do Terra F.C., representantes do Flamengo afirmaram que o novo estádio do clube já é pensado com algumas características específicas em prol da sustentabilidade, como reúso da água, painéis solares e outras especificidades. Todos os clubes presentes mencionaram campanhas de reciclagem feitas com as categorias de base, assim como diversas outras ações educativas. Mas ainda estamos muito longe do cenário ideal e necessário de redução. Que o Terra F.C. seja mais uma ferramenta de incentivo para que mais pessoas entrem nesse jogo e protagonizem essa mudança.
Raiana Monteiro é ex-coordenadora de comunicação do Flamengo, ex-diretora de relações públicas do Vasco e atualmente exerce a função de coordenadora de conteúdo do Fifa+, a plataforma de streaming da Fifa