Uma revolução (necessária) em curso no esporte brasileiro

Ministra Ana Moser na Comissão de Educação e Esportes do Senado - Lula Marques / Agência Brasil

Concluí, no último mês de janeiro, meu MBA em Gestão de Organizações Esportivas na Universidade Lunex, em Luxemburgo – o Memos, subsidiado e reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Meu projeto final trouxe uma discussão sobre cultura esportiva e o papel da comunicação no desenvolvimento de uma nação verdadeiramente esportiva. Colhi entrevistas de atletas, jornalistas e dirigentes, pesquisei diversas fontes bibliográficas e ouvi experiências fantásticas dos Comitês Olímpicos da Holanda e da Grã-Bretanha. Esbocei caminhos a seguir, usando como modelo a ginástica artística brasileira em sua fase de ouro. Sempre sob a ótica exclusiva da comunicação e suas disciplinas, sem me atrever a discutir políticas públicas e relações institucionais. Ressaltei isso no texto, mas frisei: com o novo governo federal e o discurso da então recém-empossada ministra do Esporte Ana Moser, a abertura para uma difusão mais ampla e sustentável do esporte na sociedade brasileira se anunciava.

É claro que a idealização e construção da Lei Geral do Esporte (LGE) (PL 1.825/2022) e do Plano Nacional do Esporte (PNE) começou há algumas décadas, e a primeira versão do Projeto de Lei data de 2017. Mas somente agora, no dia 9 de maio de 2023, tendo a medalhista olímpica Leila Barros, do vôlei, como relatora, é que a LGE foi aprovada no Senado e segue para sanção do presidente Lula. Um passo gigante para a transformação esportiva do Brasil.

Engana-se quem pensa que políticas voltadas para o esporte lazer, o esporte saúde e a iniciação esportiva nada têm a ver com a alta performance esportiva. Crianças se tornarão atletas, se, desde cedo, forem inspiradas e incentivadas a experimentar (as mais diversas) modalidades por seus cuidadores (pais, mães, tios, tias, vizinhos, babás). E isso só acontecerá se esses cuidadores forem sensíveis ao esporte, seja praticando ou assistindo, e não apenas uma modalidade, não somente dependente da monocultura esportiva que o Brasil vive. Para praticar, é preciso gostar. Para gostar, é necessário conhecer. E para conhecer, é fundamental ter acesso.

Assim, ao estabelecer que 30% do recurso das Loterias gerido pelo Ministério do Esporte seja destinado ao esporte escolar e de lazer, e pretender aumentar para 60% o percentual da população até 15 anos que pratique alguma atividade física, o Plano Nacional do Esporte estará contribuindo para a construção de uma nação verdadeiramente esportiva, o que poderá não só fazer o Brasil se qualificar para 70% ou mais das modalidades do programa dos Jogos Olímpicos, como também assegurar sua permanência e evolução entre os Top 15 países do quadro de medalhas (outras duas metas destacadas no PNE).

Ainda no PNE, há a pretensão de garantir o acesso “à prática e à cultura da Educação Física e do esporte nas escolas de educação básica pelo menos três vezes por semana”. Um objetivo sem estimar números-alvo e ainda aquém da meta estabelecida na Holanda com o chamado “Sport Accord”, compromisso assinado por entes governamentais e organizações esportivas para estabelecer os caminhos do desenvolvimento esportivo no país europeu. Nele, estipula-se que, em 2032, 12 milhões dos 17 milhões de habitantes da Holanda façam atividade física três vezes por semana, e que 100% dos jovens terão orientação de um treinador ou professor capacitado. Implementado desde 2019 e renovado agora em 2022, o “Sport Accord” se baseia também em inteligência, já que há ferramentas capazes de mapear precisamente, mesmo nas menores cidades ou vilarejos, quem pratica qual esporte, sejam crianças ou idosos, por lazer ou alto rendimento.

“Somos um país pequeno, isso facilita o trabalho. Nosso tamanho é equivalente a uma cidade brasileira”, me disse Sybrecht Lensik, do Comitê Olímpico Holandês, em entrevista para o meu trabalho do Memos.

Mas o Brasil está dando passos importantes, em que pese seu gigantismo. Dentro da LGE está prevista também a criação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos, que deverá coletar e interpretar dados referentes à atividade esportiva. Segundo o Ministério do Esporte, o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos “permitirá a formulação, gestão e avaliação das políticas públicas esportivas, auxiliando a obtenção por resultados pelo Plano Nacional do Esporte”.

Essa revolução que se iniciará não deve ser encarada como tarefa restrita aos entes governamentais ou entidades esportivas. A iniciativa privada, sobretudo as marcas que já orbitam no universo esportivo, podem ter um papel importante nessa cadeia de disseminação da cultura esportiva, usando sua força e capilaridade para conversar com os públicos. Ao ampliar a base de fãs e praticantes de esporte, cresce também a cadeia de potenciais consumidores de produtos e serviços esportivos. E a engrenagem vai, sempre, se retroalimentar.

Talvez nós e nossos filhos não vejamos os resultados imediatos desse movimento tão cheio de desafios quanto essencial. Mas os Jogos Olímpicos de 2036 são logo ali.

Manoela Penna é consultora de comunicação e marketing, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

Sair da versão mobile