Vão-se os anéis, ficam os ded… o legado!

Não achei forma melhor para começar esta coluna do que adaptando essa expressão. Todo mundo já ouviu alguém falar em “Vão-se os anéis, ficam os dedos”, algo como “dos males, o menor”. Apesar de abusar do trocadilho, o texto não tem nada a ver com o significado da expressão.

Fiquei sozinho me perguntando quando acabei de escrever este artigo: quanto vale um anel de campeão da NBA? Impossível precificar, claro, especialmente se pensarmos que há o valor financeiro (das pedras, dos metais preciosos) e o valor sentimental (aquele que vem carregado de trabalho duro, suor, dedicação e coração).

Se você fosse comprar, independentemente da temporada, das cores do time ou da história daquela conquista, quanto acha que valeria e quanto estaria disposto a pagar por um anel de campeão da NBA? E, mudando de lado, por quanto estaria disposto a vender o seu anel de campeão da liga?

Inúmeras Lendas da NBA passaram uma vida dentro das quadras e não tiveram a chance de ser campeões da temporada. Isso não diminuiu a importância de astros como Charles Barkley, Carmelo Anthony, Karl Malone, Chris Paul, Reggie Miller, Dominique Wilkins, John Stockton e tantos outros.

No mundo dos esportes, não é raro ouvir que ex-atletas, nomes consagrados de várias épocas, de diversas modalidades, venderam troféus, suas medalhas, que estão se desfazendo de itens pessoais importantes em suas histórias, por enfrentarem necessidades e/ou dificuldades financeiras. Isso, em geral, é fruto de uma má gestão de carreira e imagem, de excessos e, principalmente, do deslumbramento com as “fortunas infinitas repentinas” que, claro, acabaram.

Kareem Abdul-Jabbar entrega bola a LeBron James, novo recordista de pontos da história da NBA – Reprodução

Mas é raro ver uma atitude como a de Kareem Abdul-Jabbar, Lenda da NBA, ex-recordista de pontos da liga (foi ultrapassado por LeBron James há poucas semanas), que levou quatro dos seus seis anéis de campeão para um leilão (1988-1987-1985-1980, conquistados no Los Angeles Lakers e no Milwaukee Bucks).

Se você está pensando que Kareem está ou estava em dificuldades financeiras, passando necessidade, não, fique tranquilo, ele não está. Está tudo bem, saúde anda bem, ainda que tenha tido alguns problemas nos últimos anos, mas está bem. Desapego então? Desprendimento? O que explicaria a decisão de leiloar peças tão importantes? Simples. Propósito.

Kareem foi a minha inspiração para esta coluna. Ou melhor, os propósitos de Ferdinand Lewis Alcindor Jr., alguém que durante toda a vida se posicionou sobre temas importantes e necessários como racismo, igualdade e respeito, e que mudou o jogo após adotar um “sobrenome” islâmico nas costas do seu uniforme: Abdul-Jabbar.

Durante décadas, seus propósitos falaram mais alto do que a própria paixão pelo basquete. E isso fez Kareem ser diferenciado. Aos 75 anos (completará 76 no próximo dia 16 de abril), o gigante do inconfundível skyhook (gancho) usou o valor arrecadado no leilão para levantar fundos para a Skyhook Foundation, entidade que ajuda crianças no aprendizado de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática.

Kareem Abdul-Jabbar é um dos ex-jogadores da NBA mais respeitados por atletas, fãs e mídia nos EUA – Reprodução

“Quando preciso escolher entre guardar um anel de campeão ou troféu no quarto, ou dar oportunidade de crianças mudarem suas vidas, a escolha é bem simples: vencer tudo”, afirmou a Lenda.

Para se ter uma ideia do tamanho de Kareem (e não falo de seus quase 2,20m), o ex-pivô conquistou seis títulos, foi eleito seis vezes MVP da temporada, duas vezes Finals MVP e obteve 19 convocações para o NBA All-Star Game, entre várias premiações, medalhas, reconhecimentos, etc.

Esta história não é nova, já que o leilão a que me refiro aconteceu em 2019. Foram mais de 200 itens, incluindo troféus, camisas e óculos, mas nem todo mundo conhece (neste link, é possível ver um episódio do programa “Trato Feito”, em que Kareem mostra alguns dos itens). O ex-jogador arrecadou mais de US$ 2,8 milhões (quase R$ 15 milhões, na cotação atual) e segue militando em busca de oportunidades para jovens e crianças, engajado em campanhas e iniciativas que promovam igualdade e respeito.

“Olhando para tudo o que fiz na minha vida, em vez de olhar o brilho das joias ou o folheado a ouro, prefiro ver o rosto encantado de uma criança e pensar no que posso estar fazendo pelo seu futuro. Essa é uma história que não tem preço”, resumiu.

Foram-se os anéis. E ficaram os ded… o legado!

Samy Vaisman é jornalista, sócio-diretor da MPC Rio Comunicação (@mpcriocom), cofundador da Memorabília do Esporte (@memorabiliadoesporte) e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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