O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) resolveu elevar o tom contra a Loteria Estadual do Rio de Janeiro (Loterj), em meio à polêmica entre a autarquia e o Ministério da Fazenda, relacionada à questão das apostas esportivas.
A entidade, uma das que representam o setor no país e que participou das discussões da lei destinada a regulamentar esse mercado no território brasileiro, divulgou uma nota, nesta quinta-feira (28), com fortes críticas à atuação da autarquia fluminense.
A Loterj entrou nesse vespeiro em meados do ano passado, quando a regulamentação das apostas esportivas ainda era uma incógnita em nível nacional. O Governo Federal acabara de editar uma Medida Provisória (MP), que tinha prazo de 120 dias para ser votada.
Amparada em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou os estados a explorarem loterias (antes um monopólio da Caixa), a Loterj lançou um edital aberto a empresas de todo o Brasil que tivessem o interesse de operar apostas em nível estadual.
Conforme a Máquina do Esporte noticiou à época, na prática era como se o órgão estadual tivesse realizado sua própria regulamentação nacional do setor. Com a vantagem de que, ao optar pela outorga da Loterj, a empresa de apostas pagaria apenas R$ 5 milhões, enquanto a taxa de autorização prevista na lei federal é de R$ 30 milhões.
Além disso, a “regulamentação” da Loterj estabelece tributação de 5% sobre a GGR das empresas (receita bruta menos premiação paga), ao passo que a alíquota federal é de 18%.
No início desta semana, o Ministério da Fazenda notificou a autarquia estadual, dando a ela um prazo de 15 dias para se pronunciar sobre os questionamentos. O órgão federal ameaça tomar medidas administrativas e judiciais contra a Loterj.
Loterj já tem quatro empresas credenciadas
Até o momento, quatro empresas já estão “regulamentadas” pela Loterj: Apostou.com, Bestbet, Majorsports e Pixbet, que, por sinal, é patrocinadora máster do Flamengo, pagando a quantia de R$ 85 milhões por esse contrato, o que faz dele o segundo maior em vigor no Brasil.
No último dia 14 de março, a Pixbet realizou a Prova de Conceito (PoC) para operação de jogos on-line autorizados pela Loterj. Com sede no território holandês de Curaçao, no Caribe, a empresa esteve recentemente envolvida em um caso de sumiço dos saldos de seus usuários, após a mudança de plataforma, fato que ocasionou uma enxurrada de críticas nas redes sociais.
Em um dia bastante agitado, o presidente da Loterj, Hazenclever Lopes Cançado, ainda encontrou tempo para se reunir com André Feldman, ex-presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL, que atualmente é comandada por Wesley Cardia) e que está à frente da Big Brazil International Games, empresa licenciada da Caesar Sportsbook, dos Estados Unidos.
“É grande a expectativa. Pretendemos entrar com a marca Caesars Sportsbook no Brasil, começando pelo Rio de Janeiro. Nossa empresa é licenciada do Grupo Caesars para a área de jogos on-line e de aposta esportiva, e já estamos trabalhando na composição de toda a documentação técnica para, nos próximos dias, dar entrada oficialmente no credenciamento da Loterj”, afirmou Feldman, em uma publicação feita pela conta oficial da autarquia no Instagram.
IBJR demonstra preocupação
Em sua nota, o IBJR alega que a atuação da Loterj “aumenta os níveis de insegurança jurídica em detrimento e em desfavor de todo o setor”.
“É ilegal o posicionamento de que operadores de apostas de quota fixa licenciados pela Loterj (ou qualquer outra autoridade diferente do Ministério da Fazenda) têm o direito de explorar essa modalidade lotérica e oferecer esses serviços a consumidores localizados em qualquer localidade que não seja o território do estado do Rio de Janeiro”, diz o texto.
Neste ponto, é possível notar que a entidade não questiona propriamente o direito da Loterj de emitir autorizações, mas sim a política de credenciar empresas de outros estados adotada pelo órgão.
Um dos pontos que mais incomodam a entidade representativa é o fato de que, ao mesmo tempo em que concede autorizações a casas de apostas de todo o Brasil, a autarquia estadual estaria tentando impedir empresas não credenciadas por ela de operar no território do Rio de Janeiro.
“É ilegal o posicionamento de que, na presente data, apenas os operadores de apostas de quota fixa licenciados pela Loterj têm o direito de explorar essa modalidade lotérica e oferecer esses serviços a consumidores localizados no território do estado do Rio de Janeiro”, afirma a nota.
O IBJR também declarou apoio ao Ministério da Fazenda na disputa contra a autarquia estadual.
“O Ministério da Fazenda está correto em exigir um posicionamento urgente sobre a atuação de legalidade questionável da Loterj, em especial pelo risco de tais decisões prejudicarem o processo de autorização dos operadores de apostas de quota fixa a nível federal, contaminando os grandes avanços setoriais que vêm sendo obtidos junto ao Congresso Nacional e o Governo Federal para a regulação desse importante setor da economia”, diz o comunicado.
Com relação à decisão do STF usada pela Loterj para embasar sua investida sobre o mercado nacional de apostas, o IBJR argumenta que, apesar da sentença reconhecer que estados e o Distrito Federal podem explorar o setor de loterias, a competência para legislar sobre a matéria continua sendo privativa da Governo Federal.
“Em outras palavras, muito embora os estados possuam competência material para explorar as atividades lotéricas e regulamentar tal exploração, é evidente que a atividade legislativa/regulamentar estadual deve se ater às diretrizes nacionais traçadas pela União (e, consequentemente, não pode contrariá-las)”, ressalta a nota.
Vácuo normativo
O apetite voraz da Loterj sobre o setor de apostas esportivas despertou não apenas a ira do Ministério da Fazenda, mas também de autarquias similares de outros estados, caso da Loterias do Estado do Paraná (Lottopar), que ajuizou ação na Justiça, buscando impedir o órgão fluminense de operar fora do território do Rio de Janeiro.
A Lottopar, que recentemente homologou cinco casas de apostas esportivas sediadas no Paraná, considera que a política adotada pela Loterj contraria a decisão do STF referente à exploração de loterias pelos estados.
Fabiano Jantalia, sócio-fundador do Jantalia Advogados e especialista em direito de jogos, defende que a regulação de apostas e loterias estaduais necessita, com urgência, de um “choque de ordem, de um freio de arrumação”.
Para ele, a polêmica da Loterj tem potencial de ocasionar sérios riscos à abertura do mercado de apostas esportivas no Brasil.
“Apesar de já termos uma lei federal moderna e consistente, estamos mergulhados em um limbo jurídico por falta da esperada regulamentação. É isso que está levando a diversas confusões e distorções na aplicação da lei por algumas loterias estaduais”, analisou Jantalia.
Para que a legislação que disciplina o mercado de apostas passe a ter efeitos práticos, é necessária a publicação de uma série de portarias que determinarão o funcionamento do setor no país.
Por enquanto, essa parte da regulamentação segue patinando. Até agora, apenas duas portarias foram lançadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.
Conforme a Máquina do Esporte apurou nos bastidores, a tendência é de que dificilmente essa normatização esteja concluída até o fim deste ano. A pressão feita por diferentes grupos que atuam no setor estaria por trás dessa demora.
Para Jantalia, a situação gera um vácuo normativo, pois, na medida em que a União não edita as portarias necessárias e não abre o procedimento de autorização, estados e até municípios procuram se antecipar, na esperança de atrair operadores oferecendo valores de outorga e tributação mais baixos.
“O problema é que esses editais de credenciamento e até a fiscalização das loterias estaduais vêm se baseando em leituras equivocadas tanto das decisões do STF sobre o tema quanto das disposições da lei federal de apostas. Se isso não for pronta e devidamente resolvido, corremos o sério risco de gerar uma guerra das loterias e afastar os operadores, prejudicando todo o esforço feito pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional para viabilizar a abertura desse mercado”, finalizou o advogado.
Resposta da Loterj
Em nota enviada à Máquina do Esporte, a Loterj alega que o IBJR estaria equivocado em suas críticas e que o estado do Rio de Janeiro já contaria com arcabouço regulatório legal para a exploração do mercado de apostas.
“Ressaltamos que o Edital de Credenciamento nº 01/2023 corrige um conceito de exploração do serviço de loterias desatualizado, nos moldes de 70 anos atrás, que desacompanhado de todas as mudanças políticas, social, econômica, cultural, tecnológica e populacional”, afirma a nota.
No comunicado, Loterj também procurou rebater as acusações de que estaria extrapolando seus limites territoriais de atuação.
“A venda de produtos da Loteria do Estado do Rio de Janeiro – Loterj, no âmbito de um credenciamento para exploração de serviço público por meio da internet não ultrapassa o limite territorial de competência da autarquia, especialmente porque, em se tratando de modalidade virtual de serviço, não há qualquer trespasse do limite estadual, sendo a atividade integralmente concentrada no território do Rio de Janeiro”, argumenta o texto.