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Setor de apostas teme expansão do mercado ilegal e danos ao patrocínio esportivo, com aumento da tributação

Câmara dos Deputados deve começar a analisar nesta semana a Medida Provisória que aumenta imposto sobre o GGR de 12% para 18%

Fernando Haddad é o atual ministro da Fazenda do Governo Lula - Valter Campanato / Agência Brasil

Nesta semana, a Câmara Federal realizará discussões que terão impacto decisivo na economia e na política do país e que têm tirado o sono dos donos de casas de apostas que atuam no mercado regulado.

Entre os temas que serão debatidos está a Medida Provisória (MP) editada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em junho deste ano e que eleva de 12% para 18% o imposto sobre o Gross Gaming Renevue (GGR) das empresas do setor.

Inicialmente, a previsão era de que a matéria seria votada na terça-feira (30), mas a discussão precisou ser adiada, a pedido do presidente da Câmara Federal, Hugo Motta (Republicanos/PB).

A mudança foi necessária para que a Casa se concentrasse na análise de outro projeto do Executivo, o que isenta de Imposto de Renda (IR) as pessoas que ganham até R$ 5 mil mensais. O texto precisa ser aprovado ainda nesta quarta-feira (1º), para surtir efeito a partir de 2026.

A expectativa do relator da MP que impacta o setor de apostas, deputado Carlos Zarattini (PT/SP), é de que a matéria possa ser apreciada nesta quinta-feira (2).

Como o texto foi publicado em 11 de junho, ele precisa ser aprovado pela Câmara e o Senado ou pela comissão mista (formada por deputados e senadores) até quarta-feira que vem (8). Do contrário, o texto perderá sua eficácia.

Em entrevista coletiva concedida na terça-feira (30), Zarattini explicou que, se for votada e aprovada na manhã de quinta-feira pela comissão mista, a MP poderá ser analisada pela Câmara, na terça que vem, e pelo Senado, no dia seguinte.

Como surgiu a MP

A MP que impacta o setor de apostas foi editada após o governo ser forçado a recuar na tentativa de elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

A equipe comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisa ampliar a arrecadação governamental em pelo menos R$ 20,5 milhões para conseguir cumprir a meta fiscal deste ano.

A alíquota do IOF foi aumentada para 3,5% por meio de decreto, que foi derrubado pelo Congresso, ocasionando uma das piores crises entre os poderes, na atual gestão de Lula.

Os aliados do governo, porém, iniciaram forte reação nas redes sociais, com a divulgação de uma série de conteúdos acusando os congressistas de agirem em favor dos bilionários.

No fim das contas, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou validando o decreto do IOF, sob o argumento de que seria prerrogativa do Executivo alterar a alíquota do imposto já existente.

Diferentemente do que costumava ser visto meses atrás, quando a popularidade de Lula estava em baixa, atualmente o que se nota em Brasília é o silêncio da oposição e do chamado “Centrão”, no que diz respeito à MP, que não afetará apenas as casas de apostas, mas também os bancos digitais e investimentos que hoje são isentos, como as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), que poderão ter sua alíquota de Imposto de Renda fixada em algo entre 5% e 7,5%.

Parlamentares de oposição têm adotado uma postura mais comedida em relação a esse tema sensível, inclusive porque o debate ocorre em meio à análise do projeto da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.

Além disso, a discussão da matéria se dá logo após o Senado ver-se forçado a sepultar a Proposta de Emenda Constitucional aprovada pela Câmara Federal, conhecida como PEC da Blindagem, que colocaria uma série de entraves que impediriam parlamentares de serem processados, mesmo que pela prática de delitos comuns.

A decisão do Senado de dar fim à proposta ocorreu após uma série de manifestações realizadas em grandes cidades brasileiras, que tinham como alvo justamente a nova legislação.

A estratégia da oposição, a fim de evitar que o governo ganhe esse “gás” a mais na arrecadação, consistiria em deixar a MP caducar, antes mesmo de ser votada em plenário, o que resultaria em menor desgaste político aos envolvidos.

Mercado ilegal

Nos últimos dias, a Máquina do Esporte conversou com fontes ligadas às casas de apostas que demonstraram estar descontentes com o aumento no imposto, trazido pela MP.

Um executivo ouvido pela reportagem lembrou que a tributação do setor atualmente não se restringe aos 12% sobre o GGR (que é a soma de tudo que uma empresas arrecada nos jogos, menos aquilo que ela paga aos apostadores), mas inclui uma série de outras contribuições e taxas.

“Hoje, a carga tributária do setor está em torno de 42% a 45%. Se a MP for aprovada, ela poderá chegar a 50%”, disse.

Um dos aspectos que mais revoltam as empresas é que regulamentação do mercado de apostas foi discutida durante vários meses, em um processo que envolveu as plataformas, especialistas, congressistas e representantes do governo.

Na visão das fontes ouvidas, a legislação hoje existente é adequada (um executivo se referiu a ela como “a mais avançada do mundo”), porque garante competitividade às empresas reguladas e arrecadação para o governo.

“Ninguém é contra pagar imposto. Desde o início, o setor sempre foi a favor de contribuir com o país, por meio da arrecadação. O aumento da tributação, porém, vai fortalecer as plataformas ilegais, que não arrecadam nada para o governo e hoje ainda dominam 50% do mercado”, argumentou.

O raciocínio é que, com uma carga tributária maior, a rentabilidade das empresas reguladas cairia. Com isso, muitas acabariam ou migrando para o mercado ilegal ou optando por deixar de operar no Brasil, no caso das plataformas maiores, que estão sujeitas à regulamentação rígida em outros mercados.

Entidades criticam MP

Entidades que representam o setor de apostas também criticam a MP. Para o presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Plínio Lemos Jorge, a elevação do imposto pode resultar inclusive em queda de arrecadação para o governo, já que, no entender dele, muitas casas de apostas “não vão aguentar essa carga tributária e vão buscar alternativas em outros cantos”.

“Quando a tributação deixa de ser vantajosa, em vez de subir a arrecadação, ela começa a cair. Por quê? Porque temos desistência de casa. Quem pediu licença não vai ficar no Brasil. E tem o ilegal tomando conta. Ou seja, eu me torno menos competitivo. E isso quebra o mercado”, disse.

Por meio de nota, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) afirmou que a MP “gera insegurança jurídica, comprometendo a confiança das empresas que investiram no país. Essa instabilidade ameaça não apenas a continuidade de operações, mas também a credibilidade do ambiente de negócios no Brasil”.

No texto, a entidade alerta para os riscos trazidos pelas empresas ilegais. “Essas plataformas, por não seguirem regras nacionais, não oferecem garantias de transparência, proteção contra fraudes ou de verificação efetiva da idade dos usuários, deixando menores de idade vulneráveis — diferentemente do mercado regulado, que adota reconhecimento facial e outros mecanismos previstos em lei. Nesse cenário, é fundamental também reforçar a responsabilidade de plataformas digitais, redes sociais e buscadores no combate à ilegalidade, com o mesmo rigor já aplicado a outros conteúdos ilícitos”, afirma o IBJR.

Ludopatia

As fontes ouvidas pela reportagem utilizam números retirados do relatório divulgado pela própria Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda, sobre a movimentação do mercado regulado brasileiro, no primeiro semestre de 2025.

As empresas do setor alcançaram R$ 17,4 bilhões em faturamento bruto e arrecadaram R$ 3,8 bilhões em tributos no período, sem contar os cerca de R$ 2,2 bilhões pagos em outorgas.

O levantamento mostra que 17,7 milhões de pessoas realizaram apostas no Brasil (11,6% da população adulta), o que resulta em um gasto médio total de R$ 983 por usuário (R$ 164 mensais). Esse valor representa 10,8% do salário mínimo nacional.

“Os números do mercado regulado desmentem a narrativa deque todo mundo está jogando de maneira desenfreada ou de que o setor de apostas está retirando recursos de outros segmentos da economia. As pessoas não estão deixando de comer, vestir ou comprar remédios, por conta das apostas”, disse um executivo ouvido pela reportagem.

As fontes ligadas às empresas dizem enxergar a dependência em jogos (conhecida como ludopatia) como um problema sério. Porém, na avaliação delas, os números divulgados pelo governo demonstram que essa situação não seria algo generalizado dentro do modelo regulamentado.

“As casas de apostas regulamentadas contam com mecanismos capazes de identificar o jogo compulsivo e comportamentos de risco. Se o usuário passa muito tempo conectado, já pode receber um alerta. Caso a situação se mostre mais grave, a plataforma pode suspender temporariamente ou até excluir a pessoa. O jogo compulsivo não nos beneficia. Na verdade, ele atrapalha a sustentabilidade do negócio. O governo deveria estar atento às casas ilegais, que não possuem nenhum instrumento para proteger os usuários”, disse uma das fontes.

Patrocínio esportivo

Outro argumento usado pelas empresas contra o aumento da tributação envolve os patrocínios esportivos feitos pelas casas de apostas, que têm alcançado valores recordes nos últimos anos.

“Estamos falando de todo um ecossistema, que vai além do patrocínio de camisa. Hoje, as casas de apostas estão nas competições, que pagam premiações cada vez maiores. Nas placas de led, cujos contratos subiram de maneira significativa nos últimos anos. E mesmo nas cotas de televisão, que são turbinadas graças aos anúncios das ‘bets'”, afirmou o executivo de um plataforma que patrocina um grande clube da Série A do Brasileirão.

Atualmente, dos 20 times que disputam a competição, apenas o Red Bull Bragantino não tem patrocínio máster de apostas, embora possua acordo com uma empresa do setor, a Betfast, que tem sua logomarca exibida no ombro da camisa da equipe.