A regulamentação das apostas esportivas deve finalmente sair do papel no Brasil. A lei 13.756, que permitiu as apostas de cota fixa (como juridicamente são conhecidas as apostas esportivas), foi sancionada pelo então presidente Michel Temer e previa um prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para que houvesse a regulamentação do setor. Ou seja, para que o governo federal estabelecesse as regras que seriam seguidas no país.
A questão esteve nas mãos do governo de Jair Bolsonaro por quatro anos, mas o prazo venceu em 13 de dezembro de 2022, e nada foi feito.
Preocupado com o crescimento do mercado de apostas, que gera aumento de incidência de sites pouco idôneos, falta de política de atuação no jogo responsável, ausência de arrecadação de tributos e crescimento do número de jogos com suspeita de manipulação, entre outros problemas, o Ministério da Fazenda prepara a medida provisória para estabelecer as regras de atuação para as empresas de apostas no Brasil.
Mercado forte
Segundo estimativas do mercado, o setor movimenta R$ 150 bilhões por ano. Já os sites de apostas que atuam no Brasil investiram em patrocínios e publicidade cerca de R$ 3 bilhões.
De posse desses números, o governo federal aguarda estudos de consultorias esportivas para dimensionar com maior exatidão esses números, que colocam o Brasil como o segundo maior mercado do mundo, atrás apenas do Reino Unido.
Com o estabelecimento da regulamentação, o Ministério da Fazenda acredita que entre 70 e 100 casas de apostas entrem oficialmente no país. Atualmente, não há uma estatística confiável sobre o número de plataformas que atuam livremente no Brasil.
Um levantamento da Máquina do Esporte, que só considerou plataformas de apostas esportivas com versão em português do Brasil, mostra a existência de 189 empresas. Plataformas com outros tipos de jogos de azar, como cassino, bingo ou rifa on-line não entraram nessa pesquisa.
Dependendo dos critérios e da estatística, o total de empresas atuando no país estaria entre 400 e 500 players. De acordo com outras fontes do mercado, o número seria ainda maior: entre 700 e 1.000 empresas.
Taxa de licença
Para poderem atuar no Brasil, as empresas de apostas terão que pagar uma taxa de outorga. Segundo a Máquina do Esporte apurou, o governo federal trabalha com um valor entre R$ 22 milhões e R$ 30 milhões por uma licença de cinco anos.
A ideia é que, nesse primeiro momento, a licença seja de cinco anos para que o governo possa estudar como se desenvolve o mercado legalizado no Brasil. Caso sinta confiança para conceder licenças mais longas, a renovação poderá ser por dez anos.
O valor de R$ 22 milhões é quanto propunha a minuta do decreto que o governo passado havia preparado, em maio de 2022, mas que jamais foi assinada por Jair Bolsonaro. O atual governo avalia que esse valor esteja defasado. No entanto, a taxa máxima prevista, de R$ 30 milhões, é vista como elevada por representantes do mercado.
“No final do dia, cobrar uma licença mais cara, vai gerar uma arrecadação mais baixa. Porque a arrecadação do dia a dia vem sobre a operação de quem está devidamente licenciado, legalizado”, argumentou Luiz Felipe Maia, da Maia Yoshiyasu Advogados.
“Se você não dá oportunidade para todo mundo se legalizar, o resultado é que boa parte da demanda não vai vir para o mercado regulado e não vai gerar imposto”
Luiz Felipe Maia, advogado especialista em apostas
Principais mercados
No exterior, as taxas costumam ser mais baixas. A única exceção provavelmente seja o Reino Unido. Maior mercado do mundo no setor, as empresas chegam a pagar uma taxa anual de £ 1.077.027 (R$ 6.883.420,56, na cotação atual), caso a plataforma de apostas movimente £ 1 bilhão ou mais (R$ 6,39 bilhões ou mais), montante bastante significativo.
Se a empresa de apostas se enquadrar nesse patamar, pagaria, em cinco anos, £ 5.385.135 (R$ 34.417.102,82), valor até acima do regramento estudado para o Brasil. No entanto, com uma realidade econômica muito diversa da nacional e uma moeda muito mais forte que o real.
Nos Estados Unidos, a legislação de apostas é feita em nível estadual. Por isso, cada unidade da federação norte-americana é contada individualmente. Se somados os faturamentos de todos os estados que permitem apostas esportivas, o país seria o maior do mundo no segmento. Para atuar em vários estados, é necessário pagar taxas em cada mercado local.
Tributação
A tributação das empresas de apostas seria semelhante ao que uma empresa convencional paga. A legislação estabelece o pagamento de 0,10% da arrecadação das apostas feitas no meio físico e 0,05% no on-line. Há ainda o pagamento de PIS/Cofins de 9,25% e do Imposto Sobre Serviços (ISS), que pode variar de 2% a 5%, dependendo de onde a empresa for montar sua sede.
“Isso dá mais ou menos 19%, o que está na média mundial. O problema é que, no Brasil, a tributação sobre o lucro é muito alta se comparado a outros países com legislação de apostas como Malta”, afirmou Maia.
Outra tributação incidirá sobre o apostador, que pagará imposto sobre a premiação que ganhar nas apostas. O governo federal ainda estuda como será calculada essa alíquota. A iniciativa não é bem vista pelas plataformas de apostas.
“Os mercados bem regulados no exterior, que têm as melhores práticas internacionais, não têm tributação sobre o apostador”, criticou Udo Seckelmann, head do departamento de Web3 & gaming do escritório Bichara e Motta, outro advogado especialista no setor.
Fiscalização
O dinheiro arrecadado com as taxas de outorga será utilizado na constituição de uma agência reguladora para o setor de apostas. Essa autarquia federal terá a função de combater lavagem de dinheiro relacionada ao segmento, investigar apostas fora de padrão, que indiquem possível manipulação de resultados, e estabelecer campanhas sobre jogo responsável, entre outras atribuições.
Também caberá ao novo órgão regulador examinar a documentação das empresas que forem pedir licença para atuar no Brasil. Além do pagamento da taxa de outorga, haverá uma série de regras para constituir empresa no país, como comprovação de capital mínimo para garantir o pagamento de premiações.
Combate à ilegalidade
Quem não regularizar a situação, terá dificuldade para atuar no Brasil. O governo federal irá proibir que essas empresas usem meios de pagamentos mais usuais, como Pix e boleto bancário. Também haverá dificuldade para que o apostador consiga receber seu prêmio em uma plataforma não legalizada no Brasil.
O governo também irá investir em tecnologia para dificultar o acesso do cliente brasileiro ao site estrangeiro. Há uma parceria prevista com o governo dos Estados Unidos para estabelecer sistemas para coibir apostas ilegais. Uma das possibilidades é até derrubar sites estrangeiros no território brasileiro.
Outra iniciativa são campanhas de conscientização, já que o cliente que apostar em sites legalizados estará ajudando o time de coração, que tem direito de receber parte do valor arrecadado, além de outras entidades esportivas.
Por fim, o aumento do mercado brasileiro também irá gerar empregos no país. Hoje, as plataformas de apostas desenvolvem seu trabalho a partir de uma sede no exterior. O Ministério da Fazenda, porém, ainda não tem uma estimativa de quantos postos de trabalho a regulamentação criará em território brasileiro.