Antes de começar a abordar a saída de Ronaldo Nazário do Cruzeiro, um apontamento importante: trabalhei com ele e todo seu grupo de gestão por cerca de um ano no clube. Não falarei da governança que eles falam, mas da governança que testemunhei.
Havia clareza no modelo de gestão a ser implementado. A cultura de um futebol sustentável era mantra. Não trato aqui se isso era causa ou consequência do dinheiro que Ronaldo estava disposto a investir, nem mesmo se o montante era o que a torcida desejava para voltar a ganhar títulos. Falo da ideia de termos uma gestão sem gastança desenfreada, da não geração de dívidas impagáveis.
Ao revender a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) com o argumento dado durante a coletiva, de que “somente Pedro, o novo proprietário, seria capaz de dar velocidade ao projeto que a torcida esperava”, foi natural questionar: qual é a velocidade certa para se construir uma gestão sustentável? Como se, no nosso futebol, a organização sem endividamentos demandasse um tempo pra dar certo que seja impossível esperar.
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O novo Cruzeiro, sem Ronaldo, terá mais pujança no investimento do futebol. Absolutamente bem-sucedido nos negócios, Pedro Lourenço, o novo proprietário, sinaliza que não mexerá no que acredita que esteja sendo feito corretamente. Acredita, diz, que a gestão está sendo bem-feita, e que mudanças virão apenas no futebol. O futebol, contudo, não é apartado de um clube, mas parte de toda a gestão.
Era essa visão que defendia Ronaldo. Embora Nazário seja rico (e prefiro não condenar quem trabalha para ganhar mais dinheiro), a operação lucrativa não parecia ser o que estritamente Ronaldo esperava ao iniciá-la. Claro, queria lucro, mas queria e tinha também clareza de gestão e cultura de governança no futebol, o que não foi suficiente para seguir. Ronaldo parecia frustrado.
Impossível dizer que Ronaldo desistiu do futebol, mesmo do brasileiro. Ronaldo é resiliente e já mostrou isso antes, tanto enquanto era jogador com suas lesões e recuperações quanto no pós-campo. É justamente essa resiliência para sofrer por um tempo para colher os louros adiante que talvez seja necessária para além da gestão de um clube de futebol. Resultados, tanto o esportivo como o financeiro, não são construídos de forma apressada e aleatória. Há de se ter uma resiliência que, no futebol brasileiro, parece inexistir.
Vinicius Lordello é diretor de inteligência da Máquina do Esporte, professor na CBF Academy e especialista em gestão de reputação e crises no esporte