É fatal: há duas semanas, qualquer lance mais bizarro ou falha grotesca ocorrida nas rodadas do Brasileirão são apontados como possível combinação com o esquema de manipulação de jogos que recentemente chocou o futebol.
A Operação Penalidade Máxima pode contribuir para o aperfeiçoamento do esporte por aqui ou será mais uma oportunidade desperdiçada para melhorar a estrutura e a gestão esportiva no país. Dependerá do que pessoas e instituições fizerem. Precisamos aprender algumas lições.
1) A responsabilidade é de todos, sem exceção
Confederação, federações estaduais e clubes, claro, são vítimas do esquema de apostas. Mas pouco fizeram para prevenir o problema.
Entidades esportivas receberam, nos últimos anos, alguns milhões de reais em patrocínio de casas de apostas. Não gastaram quase nada na educação de seus profissionais.
É necessário apontar para todo o ecossistema envolvido com o futebol que manipulação de jogos é um crime, tanto na esfera esportiva como penal. Parece que isso não está claro para a maior parte dos jogadores.
“Eu fiz sem conhecimento algum que era um crime, algo assim. Fiz assim normal, não perguntei nada pra ninguém”, contou o argentino Kevin Lomónaco, do Red Bull Bragantino, em audiência no Ministério Público de Goiás (MPGO) revelada pelo UOL.
Entre ingenuidade e cara de pau, a declaração do atleta está bem longe de mostrar consciência do tamanho da encrenca em que se meteu.
O que fizeram CBF, federações estaduais e clubes para orientar seus profissionais em relação ao problema? Para mostrar as implicações de aceitar participar de um esquema como o flagrado pela Operação Penalidade Máxima? Muito pouco. Quase nada.
2) Profissionais do esporte não podem apostar
Parece uma regra meio óbvia? Dentro da realidade do esporte brasileiro, não é.
Qualquer pessoa envolvida no meio do futebol, com informações privilegiadas sobre escalação, momento físico e mental de um time ou a estratégia que será seguida no decorrer de uma partida está proibida de apostar. Isso inclui familiares e amigos próximos para que não gere desconfiança em relação a algum profissional envolvido com o esporte.
Até quem declarou que prefere manter distância do mundo das apostas mostrou desconhecimento sobre o tema.
“Tenho princípios, valores e coisas que não negocio. Para mim, é uma parada que eu não gosto. Não faço, não curto”, declarou Rafael Veiga, do Palmeiras, após o jogo contra o Grêmio, quando já havia afastamentos e rescisão de contratos de atletas envolvidos no esquema.
É louvável que o jogador não seja cadastrado em algum site e não faça apostas esportivas. Mas essa decisão nunca poderia ter sido motivada por gosto pessoal, e sim pelo conhecimento de que, como atleta profissional, jamais poderia lucrar com esse tipo de atividade.
3) É preciso responsabilidade para apontar culpados
Após a revelação de que o MPGO havia apontado 16 pessoas como réus em sua denúncia à Justiça sobre o esquema de manipulação de jogos, houve uma caça às bruxas movida pela imprensa, na busca desenfreada pelo furo, e até por fontes pouco idôneas nas redes sociais.
Houve quem gravasse vídeos mostrando erros de atletas, passíveis de acontecer durante um jogo de futebol, e já os acusassem de implicação no esquema de apostas. Houve quem, sedento por sensacionalismo barato, dissesse que existiria uma quantidade muito maior de profissionais do futebol envolvidos com o esquema de apostas, sem apresentar prova alguma.
Dá muitos cliques, audiência e compartilhamentos nas mídias sociais apontar envolvidos para todos os lados baseados apenas em vazamentos de conversas de WhatsApp, sem qualquer checagem ou prova concreta contra determinado personagem. A longo prazo, isso mancha a credibilidade da imprensa. E pode gerar processos por danos morais.
É fundamental que a atuação da imprensa seja pautada pela cautela e pela ética para que reputações não sejam rasgadas. E que a Penalidade Máxima não se torne a Escola Base da imprensa esportiva.
4) É preciso punir
A penalização aos envolvidos com a manipulação de jogos no futebol brasileiro se dará na esfera penal, com acusações de crimes como formação de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e dano moral coletivo.
Mas essa punição não pode ficar restrita à Justiça Comum. O esporte também precisa banir os envolvidos no esquema. Não é possível que quem for considerado culpado de envolvimento com a organização criminosa que burlava os sites de apostas possa um dia voltar a jogar futebol profissionalmente e se beneficiar financeiramente da carreira de atleta.
Para resgatar a credibilidade do esporte, é preciso expulsar os jogadores envolvidos no esquema de todo o sistema esportivo nacional. É uma responsabilidade que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do futebol tem com o torcedor brasileiro.
5) É preciso regulamentar
Fica claro que o esquema de manipulação de jogos frutificou e atingiu tantos campeonatos, atletas e federações porque ainda não há a regulamentação das apostas no Brasil. Vivemos há mais de quatro anos no chamado mercado cinzento neste setor, desde a sanção presidencial à lei 13.756, em 2018, pelo então presidente Michel Temer.
A lei permitiu as chamadas apostas de cota fixa no país (nome técnico das apostas esportivas). No entanto, desde então, o governo federal não estabeleceu a regulamentação, ou seja, as regras que seriam seguidas no Brasil para a atividade das plataformas de apostas.
Com isso, as empresas desse segmento puderam aceitar apostas de brasileiros, mas jamais precisaram pagar impostos, obedecer à legislação de direitos do consumidor ou estabelecer sede no Brasil, gerando empregos no país.
A fiscalização desse serviço também foi falha, como a Operação Penalidade Máxima mostrou. É necessário que haja uma agência própria para controlar a atividade no Brasil, fazendo trabalho educativo, prevenindo manipulações, estabelecendo campanhas de jogo responsável e combatendo crimes relacionados às apostas.
Nada disso foi feito ainda, mas há um texto de medida provisória que deve ser assinado pelo presidente Lula nos próximos dias. É um primeiro passo para colocar ordem na casa. Mas o trabalho, que é de todos, governo, Justiça e organizações esportivas, ainda será longo.
Adalberto Leister Filho é diretor de conteúdo da Máquina do Esporte