Futebol brasileiro desperdiça chance de formação de liga de clubes

Botafogo, que assinou com Serengeti/LCP, e Grêmio, que fez acordo com a Mubadala, se enfrentam no Brasileirão - Vitor Silva/Botafogo

O futebol brasileiro desperdiçou a chance de formação de uma liga de clubes a partir de 2025, quando chega ao fim o atual contrato de TV. A frase parece hoje meio óbvia, mas o problema foi se agravando no último ano e meio de (falta de) diálogo entre os dois grandes blocos que se formaram por aqui: a Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e a Liga Forte Futebol (LFF).

As discussões iniciais se referiam à divisão de receitas arrecadadas com direitos comerciais e de mídia da futura liga. De um lago, Flamengo e Corinthians, os dois clubes de maior torcida do país, impondo a manutenção de um mínimo garantido de receitas que hoje recebem principalmente pelos contratos de TV.

Com isso, os outros 18 times da elite teriam que correr o risco conjunto de perda financeira caso a nova liga não alcançasse o nível de receitas atuais (o que era improvável). Surgiu daí a Libra, defendendo a manutenção dos privilégios de Flamengo e Corinthians até que a liga atingisse certo patamar de arrecadação, e a LFF, uma reunião de clubes menores, defendendo que a divisão de receitas mais igualitárias acontecesse desde a primeira edição do novo campeonato.

Libra x LFF

A Libra mostrou força ao ter em suas frentes, Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco, os cinco clubes de maior torcida do país, além de ter atraído outros importantes times, como Cruzeiro, Grêmio, Santos e Bahia.

O Forte Futebol, por sua vez, conseguiu arregimentar alguns dos chamados 12 grandes, como Atlético-MG, Fluminense e Internacional, outros times em ascensão, casos de Athletico e Fortaleza, e uma boa porção de equipes da Série B.

Cedo ficou claro que mais do que atrair uma composição com os clubes rivais, tanto Libra como LFF quiseram mostrar força. Por isso, apresentaram possíveis parceiros comerciais de suas ligas, antes mesmo que elas houvessem sido formadas. A ideia ali era atrair clubes do grupo rival ao divulgar vantagens financeiras da adesão a seus investidores.

Mubadala x Serengeti/LCP

A Mubadala Capital, dos Emirados Árabes, surgiu como investidora dos times da Libra. A LFF, por sua vez, apresentou a norte-americana Serengeti Asset Management e a brasileira Life Capital Partners (LCP) como sua parceira. Ambas com ofertas parecidas por 20% dos direitos comerciais e de mídia da futura liga brasileira, em caso de adesão de 40 times, por um período de 50 anos.

Muito foi discutido sobre qual oferta seria mais vantajosa. Ambos os grupos vazaram para a imprensa a divisão de receitas, com alguns milhões de reais entrando rapidamente no caixa dos times para investimento em infraestrutura, como modernização de estádios e centros de treinamento, pagamento de dívidas mais urgentes e, claro!, gastos com salários e mercado de transferência.

Assim, o consórcio Serengeti/LCP conseguiu assinatura com 21 times. Após negociações adicionais, mais quatro clubes ligados a SAFs (Botafogo, Coritiba, Cruzeiro e Vasco) também aceitaram o contrato com esse grupo. Esse bloco de equipes conta com clubes que deixaram a Libra (Botafogo, Cruzeiro e Vasco) e a LFF (Coritiba) e aprofundaram ainda mais a divisão do futebol brasileiro ao ironicamente formar o “Grupo União”.  

Com eles, a Serengeti/LCP conta com dez times da Série A, 11 da Série B e quatro da Série C. Já a Mubadala, por sua vez, acertou acordo na última sexta-feira (7) com outros 15 clubes, incluindo Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Bahia e Santos. São oito equipes da Série A e sete da Série B.

Liga x blocos

A proposta inicial dessas empresas de private equity era investir na formação da futura liga brasileira. Na prática, adquiriram direitos comerciais e de transmissão (através da lei do mandante) de dois blocos de times. No momento, dos 40 clubes das duas principais divisões do país, apenas quatro não firmaram acordo com nenhuma investidora: Atlético-MG, Internacional, ABC e Botafogo-SP. Os três primeiros integram a LFF, mas são assediados pela Mubadala.

Independentemente do próximo passo que ocorra, já há uma divisão inconciliável. Como compor com os 36 clubes, divididos em acordos com investidoras diferentes? Como dividir receitas geradas numa improvável união dos times? O que caberia à Mubadala e à Serengeti/LCP?

O Brasil estava 50 anos atrasado da elite do futebol mundial ao não ter formado sua liga. Com os acordos e desacordos da vez, pode demorar ao menos mais 50 anos para dar esse passo.

Adalberto Leister Filho é diretor de conteúdo da Máquina do Esporte

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