O Regulamento Nacional de Agentes de Futebol da CBF

Documento segue o Regulamento Internacional da Fifa sobre Agentes de Futebol, que entrou em vigor no início de outubro, e substitui o Regulamento Nacional de Intermediários - Reprodução

No começo de outubro, houve a tão esperada publicação do Regulamento Nacional de Agentes de Futebol (RNAF) pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Trata-se, enfim, da regulamentação brasileira adaptada ao novo Regulamento de Agentes da Fifa, já explorado anteriormente.

O RNAF traz grandes alterações à regulamentação nacional dos agentes de futebol, outrora intermediários, de modo que deverá ser absorvido de forma cautelosa e compreendido a partir da experiência prática que se revelará.

Como se não bastasse, não se pode esquecer que o referido regulamento foi publicado sob a égide da Nova Lei Geral do Esporte, também havendo dúvidas quanto ao cenário desportivo legislativo.

De qualquer forma, já é possível (e necessário) destacar algumas das regras previstas no RNAF. Assim, esta coluna abordará, brevemente, temas centrais do RNAF, como seu âmbito de aplicação e suas regras relativas aos contratos de representação, ao conflito de interesses, ao pagamento de comissão e à representação de atletas menores de idade.

De acordo com o RNAF, apenas aqueles que sejam licenciados pela Fifa como agentes de futebol poderão prestar serviços de representação em território nacional (será necessário compreender, portanto, como essa regra será interpretada à luz do Art. 95, §1º, da Nova Lei Geral do Esporte, que autoriza que pais, filhos, cônjuges ou advogados representem os interesses de atletas em negociações esportivas). Muito embora o regulamento autorize a atuação por meio de empresas, o licenciamento é concedido a pessoas físicas. Assim, a despeito de poder haver outros sócios ou funcionários, apenas os licenciados poderão efetivamente atuar como agentes. 

É digno de nota nessa seara que, para possuir o licenciamento, devem ser cumpridos não só requisitos de admissão (como a aprovação no exame elaborado pela Fifa), como, ainda, de manutenção, destacando-se os cursos que devem ser realizados na plataforma internacional de agentes.

Nesse sentido, não se pode esquecer que o RNAF existe em paralelo ao regulamento de agentes da Fifa, aplicando-se aos casos em que houver dimensão nacional. Segundo o próprio documento, haverá dimensão nacional quando for prestado serviço de representação no país ou a parte representada (seja atleta, treinador ou clube) possuir domicílio no Brasil à época da assinatura do contrato de representação.

Segundo as novas exigências da Fifa, o RNAF estabelece que o contrato de representação assinado com atleta/treinador não poderá possuir mais do que dois anos de vigência.

Além disso, antes de assiná-lo, o agente de futebol deve recomendar ao atleta/treinador, por escrito, que seja assessorado por advogados próprios e obter uma declaração escrita de que o atleta/treinador contou com tal assessoria própria ou deliberadamente a dispensou.

Trata-se de uma medida interessante, pois é sabido que os agentes de futebol costumam oferecer aos atletas/treinadores, como parte de seus serviços, a orientação dos advogados que o assessoram. Com a nova regra, a CBF reconhece, então, a importância do atleta/treinador sempre possuir advogados próprios, eis que nem sempre seus interesses corresponderão aos do seu (possível) agente.   

O RNAF prevê, ainda, que apenas poderá ser mantido um contrato de representação por vez com cada jogador. A regra também é pertinente, porque não era raro que, ainda durante a vigência de um contrato de representação, como forma de estender o prazo da relação, fosse celebrado um novo documento, sem previsão expressa do que isso importava para o anterior.

Agora, o regulamento nacional estabelece que, ao celebrar um novo contrato de representação, há a rescisão do anterior, sem que isso afaste a obrigação de pagar uma eventual comissão que ainda esteja em aberto.

Também se introduziu a vedação de estabelecer regras no contrato de representação que limitem o direito do atleta/treinador se autorrepresentar em uma eventual negociação, sem que se valha, portanto, dos serviços do seu agente. Novamente, trata-se de uma regra que deverá trazer consequências práticas, sendo necessário observar como isso se revelará longe da teoria.

Também se estabeleceu que, quando houver rescisão do contrato de representação por justa causa, a parte infratora deverá indenizar a outra pelos danos causados, o que pode gerar discussões quanto ao valor que efetivamente pode ser cobrado em tais hipóteses.

O RNAF também traz a importante distinção entre os contratos de representação que são assinados com atletas/treinadores e aqueles que são assinados com os clubes. Afinal, não é raro que uma agremiação contrate um eventual agente de futebol para lhe prospectar ofertas de contratação e representá-la em eventuais negociações.

Tratando-se, porém, da contratação por um clube, não parece necessário que a relação possua as mesmas balizas que aquelas que envolvem tão somente um jogador ou um treinador.

Por exemplo, não há prazo máximo de duração para contratos de representação celebrados com clubes. Além disso, é possível que o agente de futebol mantenha, ao mesmo tempo, mais de um contrato com a agremiação, contanto que relacionado a operações diversas.

Um dos pontos sensíveis do RNAF, porém, diz respeito à limitação das hipóteses em que é possível representar mais de uma parte na operação. De acordo com a regulamentação anterior, o intermediário poderia prestar serviços a mais de um envolvido na transação, contanto que revelasse tal circunstância aos envolvidos e obtivesse autorização prévia e por escrito, que deveria, então, ser registrada na CBF.

Atualmente, apenas poderá haver a representação de mais de uma parte quando se tratar do atleta/treinador e o clube para o qual esteja indo.

Ou seja, mesmo que haja autorização prévia e escrita, não será mais admitido que se represente, ao mesmo tempo, o atleta/treinador e o clube no qual estava, o que não era raro que ocorresse e deverá trazer impactos no mercado. Tampouco poderá atuar por ambos os clubes envolvidos ou, obviamente, pelos clubes e pelo atleta/treinador em questão.

Ainda mais palpitante, contudo, é a questão do pagamento de comissão.

Houve, nesse sentido, o estabelecimento dos percentuais máximos de comissão, o que vem gerando diversas polêmicas. Por enquanto, os patamares estabelecidos são os que seguem:

Para indivíduos que recebam remuneração anual de até US$ 200 mil:

  1. Quando o serviço for prestado ao atleta/treinador: 5% da remuneração do atleta/treinador
  2. Quando o serviço for prestado ao clube que contratar o atleta/treinador: 5% da remuneração do atleta/treinador
  3. Quando o serviço for prestado ao clube que estiver transferindo o atleta/treinador: 10% do valor da transferência
  4. Quando o serviço for prestado ao clube que contratar o atleta/treinador e ao atleta/treinador: 10% da remuneração do atleta/treinador (havendo a previsão de que o clube contratante não pode ser responsável pelo pagamento de mais do que 50% da comissão devida)

Para indivíduos que recebam remuneração anual superior a US$ 200 mil:

  1. Quando o serviço for prestado ao atleta/treinador: 3% da remuneração do atleta/treinador
  2. Quando o serviço for prestado ao clube que contratar o atleta/treinador: 3% da remuneração do atleta/treinador
  3. Quando o serviço for prestado ao clube que estiver transferindo o atleta/treinador: 10% do valor da transferência
  4. Quando o serviço for prestado ao clube que contratar o atleta/treinador e ao atleta/treinador: 6% da remuneração do atleta/treinador (havendo a previsão de que o clube contratante não pode ser responsável pelo pagamento de mais do que 50% da comissão devida)

Como se sabe, até então, o costume do mercado era o pagamento de uma comissão no patamar de 10% do valor envolvido. Nota-se, então, que tais limites trarão alterações significativas ao mercado do futebol, sendo certo que apenas o tempo dirá como serão absorvidos.

O RNAF estabeleceu que, salvo em situações em que o atleta/indivíduo receber remuneração anual inferior a US$ 200 mil, o agente só poderá ser remunerado pelo seu próprio cliente. Ou seja, não seria mais possível, com exceção da hipótese já citada, que o agente de futebol recebesse do próprio clube envolvido uma remuneração decorrente de serviços prestados ao atleta/treinador.

Também há a previsão de que a comissão só poderá ser paga após o encerramento das janelas de registro de jogadores em parcelas trimestrais. Não obstante, apenas poderá ser paga comissão sobre valores efetivamente auferidos pelo agente/treinador.

Outra questão peculiar do RNAF diz respeito à prestação de serviços de agenciamento a atletas menores de idade. Com efeito, diferentemente do que ocorria anteriormente, o regulamento atual parece autorizar que o agente de futebol já aborde o atleta que possua a partir de 15 anos e 6 meses, inclusive como forma de possibilitar que este seja representado nas negociações para a celebração de seu primeiro contrato de trabalho.

Para que isso ocorra, além de ser licenciado pela Fifa, o agente deverá ter concluído um curso específico promovido pela entidade para a representação de menores, assim como atender aos requisitos da legislação brasileira. Tendo em vista, porém, as dúvidas atuais acerca da concomitância da Lei Pelé e da Nova Lei Geral do Esporte, o tema não é simples, necessitando de maiores aprofundamentos futuros.

É importante, porém, que tal circunstância seja entendida (e/ou esclarecida pela CBF) com urgência, eis que o RNAF prevê aos agentes que violem as regras relativas à representação de menores a sanção de suspensão da licença por, no mínimo, dois anos, sem prejuízo de aplicação de multas.

Percebe-se, portanto, a relevância de se aprofundar no RNAF, cujos impactos serão sentidos pelo mercado futebolístico brasileiro nos próximos meses.

Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo; atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados; é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; membra da IB|A Académie du Sport; e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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