O futebol brasileiro passa por uma transformação positiva na gestão dos clubes. Impulsionados pelo sucesso de alguns que priorizaram a profissionalização e pela adoção das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), os principais clubes do país implementaram novas práticas e ferramentas de governança corporativa, tornando-se mais transparentes e responsáveis. Isso permitiu a contratação de profissionais qualificados e o aumento exponencial das receitas. O modelo amador, no qual dirigentes abnegados dividiam seu tempo entre suas carreiras e a gestão de clubes centenários, já não se sustenta para quem deseja permanecer no topo.
No entanto, apesar dos avanços e da profissionalização dos grandes clubes, a gestão do seu principal ativo ainda carece de uma evolução significativa: a torcida. Os torcedores são o bem mais valioso de um clube, aqueles que impulsionam os jogadores às conquistas, sofrem, vibram e vivem intensamente sua paixão, mantendo uma conexão emocional que transcende qualquer relação comercial tradicional.
Se os clubes adotaram práticas corporativas inspiradas em grandes empresas, por que não também implementar estratégias eficazes de relacionamento com os torcedores, como fazem os principais clubes do mundo? O que pode parecer utópico no Brasil já é realidade no restante do globo. Representantes da torcida fazem parte da estrutura organizacional de gigantes do futebol internacional.
Há diversas maneiras de incluir os torcedores nas decisões de um clube. A Premier League, por exemplo, exige que todos os clubes estabeleçam padrões mínimos de engajamento com os torcedores. Um desses mecanismos é o “Fan Advisory Board” (“Conselho Consultivo de Fãs”, em tradução livre), no qual representantes da torcida mantêm diálogo constante com altos executivos dos clubes para discutir visão, estratégias, prioridades, planos comerciais, operação dos estádios e questões patrimoniais.
Na Inglaterra, os clubes também são obrigados a manter canais permanentes de diálogo com a torcida por meio de fóruns, painéis e pesquisas. Isso permite que os torcedores se mantenham informados sobre temas relevantes e que os clubes obtenham insights valiosos sobre as expectativas de sua base de fãs. Além disso, grupos de trabalho conjuntos são criados para resolver questões que impactam tanto a experiência nos dias de jogo quanto o futuro das equipes.
A Uefa também exige que todos os clubes participantes de suas competições nomeiem um “Supporter Liaison Officer” (SLO) (“Oficial de Contato com o Torcedor”, em tradução livre). De acordo com o manual da entidade, esse profissional atua como ponte entre torcida e clube, comunicando decisões e levando à diretoria as opiniões dos torcedores. O SLO também se conecta com seus pares de clubes adversários para organizar viagens seguras para torcedores visitantes.
Na Alemanha, por sua vez, a chamada regra “50+1” protege a identidade dos clubes ao garantir que pelo menos 51% de suas ações permaneçam sob controle dos torcedores, impedindo que investidores externos assumam o controle majoritário.
Já nos Estados Unidos, o Seattle Sounders, da MLS, implementou um Conselho de Torcedores que funciona desde 2008. Além de manter reuniões periódicas com diretores, esse conselho tem o poder de influenciar decisões estratégicas, podendo até mesmo aprovar ou rejeitar a manutenção do diretor-geral do clube a cada quatro anos, sugerir ações sociais e propor melhorias na experiência dos torcedores no estádio.
Os clubes brasileiros, especialmente aqueles em transição para o modelo de SAF, deveriam ir além das boas práticas corporativas e adotar também mecanismos que aproximem a torcida das decisões do clube. Incluir representantes da torcida na diretoria ou no conselho diretor não apenas fortalece o engajamento, mas também se torna uma ferramenta poderosa contra eventuais decisões prejudiciais de futuros proprietários. O torcedor não é apenas um consumidor; é a alma do clube e deve ser tratado como tal.
Romulo Macedo é mestre em Gestão da Experiência do Consumidor e especialista em Gestão Esportiva, com papéis relevantes em diversos eventos esportivos mundiais