Streaming não pode (ainda) ser o Plano A do esporte

Durante o US Open 2023, vencido por Novak Djokovic no masculino, a ESPN teve que liberar o acesso de seu serviço ESPN+ para os tenistas que estavam no torneio - Reprodução / X (@DjokerNole)

O esporte vive em uma encruzilhada. Tal qual a indústria do entretenimento há uma década, agora é a vez da revolução de consumo de mídia chegar no cotidiano das transmissões esportivas. É só ver como o tema tem sido recorrente aqui dentro da Máquina do Esporte.

No dia 5 de setembro, Sergio Patrick falou sobre isso, questionando “Quem paga a conta do novo formato das transmissões?”. Depois, no dia 12, foi a vez de Alessandro Sassaroli trazer números relativos ao Canal Goat em um mês de atividade, mostrando que agora “Tem bode na sala”. E, no dia seguinte, nesta quarta-feira (13), Felipe Ribbe comentou como a transmissão do streaming pode revolucionar a indústria da publicidade, mostrando um caso recente da NFL na Amazon e o impacto de uma ação inédita em uma transmissão esportiva. 

Pois bem. Todos estamos discutindo o desdobramento, sobre o consumidor, da nova era das transmissões esportivas. Ficará mais caro poder assistir a um evento ao vivo? O conteúdo digital veio para ficar e só tende a crescer? A publicidade segmentada pode ser a alternativa para baratear os custos de uma transmissão, tanto para quem exibe quanto para quem assiste?

O que pouco se discute, e isso é um dos maiores entraves para a indústria do esporte no Brasil, é qual o impacto que o streaming tem para o detentor dos direitos de transmissão. O que muda, para o esporte, quando o detentor adota as plataformas digitais para mostrar seu evento?

O mercado americano, sempre ele, ajuda a ver que esse questionamento é feito pelos executivos de NFL, NBA, MLB e NHL. Nenhuma das grandes ligas esportivas americanas adotou o streaming como caminho sem volta para suas transmissões. Volto a repetir: NENHUMA. Por que isso acontece?

Nos EUA, o modelo de streaming veio para quebrar com a banca das operadoras de TV a cabo. Se, antes, a verba de consumo de mídia passava pelo operador para chegar à empresa produtora de conteúdo, a era Netflix veio para fazer o produtor falar diretamente com o consumidor. E isso gerou uma queda de braço tremenda entre as operadoras e os donos da mídia.

Por lá, há cerca de uma década, o consumo de séries e filmes migrou para o modelo “sob demanda” consagrado pela Netflix. As operadoras de TV a cabo tentaram brigar, mas não conseguiram. O caminho foi se apoiar no esporte ao vivo, único motivo que levou o americano a continuar fiel às operadoras.

Agora, porém, a chegada em peso de Apple, Amazon Prime Video, Google e Yahoo às transmissões ao vivo derrubaram a última barreira de proteção das operadoras a cabo. As empresas de mídia perceberam que, assim como as ondas da TV aberta foram trocadas pelo cabo da TV por assinatura há 40 anos, chegou a vez de trocar o cabo pelos dados do streaming.

E o esporte nessa história?

Para se precaver, as grandes ligas esportivas americanas trataram de fechar contratos híbridos. O melhor exemplo é a NFL, que dobrou o faturamento em mídia ao dobrar a entrega aos seus parceiros. Eles, agora, transmitem jogos ao vivo tanto no formato de TV quanto no de streaming.

Isso acalmou todos os lados do negócio e permitiu duas coisas importantes para a NFL: a manutenção da audiência nas alturas, atraindo os fãs e mantendo-os fiéis a ela, e o incremento de receita com os direitos de mídia.

Quem se aventurou para um único modelo de transmissão começa a ter problemas. Na semana passada, durante o US Open de tênis, a ESPN teve que liberar o acesso de seu serviço ESPN+ para os tenistas que estavam no torneio. O motivo? Na briga com as operadoras de TV a cabo, o sinal da ESPN foi cortado de boa parte dos lares em Nova York. A saída foi entregar o acesso ao serviço de streaming. Não por acaso, na segunda-feira pós-título de Novak Djokovic, a Disney levantou a bandeira branca da paz com as operadoras, prometendo manter a entrega de conteúdo ao vivo e reduzindo, por enquanto, a quantidade de eventos exclusivos do streaming.

No Brasil, a briga entre operadoras e produtores de conteúdo não acontecerá. Afinal, ao ver como o mercado americano de TV por assinatura começou a mudar, há 15 anos, as operadoras no Brasil se precaveram e passaram a oferecer tudo em um único lugar. Não por acaso somos um dos poucos países em que uma única empresa oferece o combo TV-telefone-internet para o consumidor.

Mas os dois casos americanos mostram que ainda não é hora de mergulhar com tudo no streaming. Hoje, se isso acontecer, o esporte começa a se fechar em um nicho cada vez menor, o que pode reduzir sua capacidade de gerar receita lá na frente.

O modelo de negócios do esporte sempre foi baseado na alta audiência para gerar bons contratos de mídia e de patrocínio. O streaming representa a segmentação cada vez maior da audiência. Ou seja: para esportes que sempre se pautaram pelo alcance maciço de mídia como plataforma para alavancar receitas, achar que o streaming já é realidade é um erro.

A NFL mostra que é preciso ser híbrido: cobrar mais para o parceiro comercial entregar em várias plataformas, mas sem perder o alcance que a TV (aberta ou a cabo) ainda pode dar.

Os números impressionantes de uma Cazé TV em uma Copa do Mundo ainda representam apenas 10% da audiência da TV aberta no Brasil. Os números baixíssimos e nunca revelados às claras dos streamings fechados para assinatura representam um alcance menor do que a TV por assinatura pode ter, por mais que o cabo tenha sido cada vez mais cortado dos lares.

O modelo de negócios que pautou o esporte nos últimos 70 anos está em fase de transição. Romper com ele, nesse momento, gerará uma queda enorme de arrecadação. E, pior, da base de fãs. O streaming é um ótimo Plano B para o esporte. Não dá, ainda, para ser o Plano A.

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo

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