Ednaldo Rodrigues colocou o zap na testa da cartolagem brasileira

Ednaldo Rodrigues e o presidente da Fifa, Gianni Infantino - Harold Cunningham, Fiona Goodall e Hannah Peters / FIFA

Ednaldo Rodrigues e o presidente da Fifa, Gianni Infantino - Harold Cunningham, Fiona Goodall e Hannah Peters / Fifa

Quem já jogou truco alguma vez na vida sabe muito bem o que significa mandar aquele zap na testa do adversário em meio a uma disputa animada. Bem, os bastidores do futebol brasileiro acompanharam, durante 45 dias, uma batalha épica que terminou com Ednaldo Rodrigues, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), colocando o zap na testa de toda a cartolagem nacional.

O desenrolar público desse jogo de cartas começou em 30 de novembro de 2023, quando Marco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF e banido do futebol pela Fifa por escândalos de corrupção, publicou uma carta-depoimento no portal UOL. Com o título sugestivo “Pelo bem do futebol brasileiro, Ednaldo deveria renunciar à CBF”, o texto tentou mostrar que Ednaldo vinha diminuindo o patrimônio da entidade com gastos desnecessários e colocando em risco “o futuro do futebol brasileiro como um todo”.

A carta de Del Nero já era uma primeira resposta a Ednaldo, que vinha “balançando” no cargo. Em 29 de novembro, a Fifa havia enviado uma carta para a CBF alertando que estava atenta a movimentos que tentavam derrubar o presidente da entidade. O caso foi exposto por Romário, ex-jogador e atual senador da República, que disse categoricamente que Del Nero e Ricardo Teixeira, outro ex-presidente da CBF banido do futebol, tentavam articular a queda de Rodrigues.

O recado de Del Nero desencadeou uma movimentação veloz nos bastidores. Em 7 de dezembro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) destituiu Ednaldo Rodrigues da presidência da CBF. O motivo? Os desembargadores do tribunal não validaram o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado entre a CBF e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para a realização das eleições na entidade em 2018, que levaram à presidência Rogério Caboclo, antecessor de Ednaldo Rodrigues.

Política e negócios se fundem

A partir do dia 7 de dezembro e durante um mês, o que se viu foi uma batalha enorme nos bastidores que ensina – e muito – sobre a importância da política na gestão do esporte.

Em 19 de dezembro, a Máquina do Esporte revelou que a disputa pela sucessão de Ednaldo já tinha começado. E tinha motivações econômicas.

De um lado estava a agência LiveMode, parceira umbilical da Federação Paulista de Futebol (FPF) e que perdeu espaço na CBF desde a chegada de Rodrigues. Do outro, a Brax, agência que praticamente surgiu junto à condução do dirigente baiano à presidência da CBF e que passou a ser a papa-contratos na entidade.

À ocasião, a cartolagem brasileira considerava Ednaldo Rodrigues passado. Acreditavam que nada faria com que ele tivesse peso para voltar a ser o comandante da entidade máxima do futebol nacional.

Foi então que, na véspera do Natal, Ednaldo pediu 6 no “truco” feito lá atrás por Del Nero. No dia 24 de dezembro, Fifa e Conmebol confirmaram a vinda ao Brasil em janeiro. As duas entidades, publicamente, confirmaram que poderiam punir a CBF e os clubes brasileiros por conta da retirada à força de Rodrigues.

Reinaldo Carneiro Bastos quer mais

O presidente da FPF, Reinaldo Carneiro Bastos, alheio a esse recado, sustentou o pedido de truco e ainda chamou o 9. Ele lançou, no dia 29 de dezembro, sua candidatura pública à presidência da CBF. Com o apoio de oito federações da periferia da bola (exceção feita às entidades de São Paulo e Paraná) e 30 clubes de diferentes divisões, o mandatário achou que já estava com meio caminho andado para ser eleito.

Mas, em 4 de janeiro, Ednaldo Rodrigues pediu o 12 no truco. Depois de ter declarado publicamente que não se candidataria mais à presidência da CBF (mas sem descartar que brigaria pelo poder agora), foi reconduzido ao cargo por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), concedida pelo ministro Gilmar Mendes, cujo filho tem negócios com a CBF.

A partir daí, o dirigente articulou rapidamente para colocar o zap na testa dos cartolas. De volta à CBF, Ednaldo convocou a seleção brasileira para a disputa do Pré-Olímpico (na vacância do poder, por pouco o Brasil não perdeu o torneio por falta de inscrição) e, mais do que isso, recebeu, na sede da CBF, de forma triunfal, dirigentes da Fifa e da Conmebol na segunda-feira, 8 de janeiro, primeiro dia útil na entidade.

Inclusive, um dia depois, com Reinaldo Carneiro Bastos a tiracolo, Ednaldo recebeu os 40 representantes dos clubes das Séries A e B do Brasileirão. Foi, basicamente, a reunião de “beija-mão” ao novo chefão do futebol brasileiro.

Olha o zap!

O zap na testa foi colocado na cartolagem. Quando todos achavam que Ednaldo era passado, o dirigente mostrou que a habilidade política é a maior prioridade para se manter vivo na estrutura do futebol. Enquanto se acreditava que era preciso ter poder interno sobre federações e clubes para comandar, Ednaldo mostrou uma via muito mais eficiente.

Não por acaso, desde o começo de 2023, o dirigente se aproximou bastante da Fifa e do governo brasileiro por meio da candidatura do país à sede da Copa do Mundo Feminina de 2027. O Brasil tem enormes chances de receber o evento. E foi graças a isso que o governo brasileiro, a Fifa e a Conmebol também ajudaram Ednaldo Rodrigues a se sustentar no cargo.

A decisão final do STF sobre o caso, no próximo mês de fevereiro, só deve ratificar o que a cartolagem já mostrou ao abaixar a cabeça e obedecer às decisões do começo do ano.

Marco Polo Del Nero, Reinaldo Carneiro Bastos e toda a cartolagem do futebol brasileiro acabaram com o zap colado na testa. Ednaldo Rodrigues está com muito poder. Desde Ricardo Teixeira, não se via uma demonstração tão grande de força como agora.

Resta saber se o dirigente baiano fará a CBF viver novos ares ou se procurará comandar à mão de ferro o esporte mais popular do país. A primeira vez que quis manter tudo centralizado, a casa quase caiu. Mas todos achavam que poderiam jogar cartas com ele…

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo

Sair da versão mobile